sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

"THIS, NOT!!!!!!!" (sem foto)

Por dois minutos não perco o trem. E, por um vagão, quase que me perco pelo interior da Polônia para sempre.

Desde que eu viajei pela primeira vez de trem na Europa, de Berlim para Praga, no domingo, fiquei com medo de ser mulher/sozinha.

Porque sempre tem isso, né? Eu me lembro de quando ia ver os jogos do São Paulo com o meu pai e o meu irmão... Qualquer roupa que eu colocava eles reclamavam: curto demais, apertado demais, desagasalhado demais. Eu achava, claro, exagero demais, ou preconceito demais. Um dia, num São Paulo X Corinthians, no Pacaembu, há pelo menos uma década, meu pai não me deixou ir com eles. Eu achei absurdo, fiz barulho, disse que ia me trocar rápido. "Tá bom" foi a resposta. Quando voltei para sala com a minha camisa da IBF... Eles já tinham saído. Desesperada, entrei na cozinha, onde minha mãe preparava um bolo. "Cadê eles??" E ela, na maior calma: "já foram". Não falei nada. Saí correndo, já chorando, para qualquer lado da Consolação. Tinha um pouco mais de dez anos e nem sabia onde ficava o estádio direito. Voltei com uma mistura de raiva e sensação de injustiça - só porque era mulher, só por isso.

Claro que essa não foi a única coisa desse tipo que me aconteceu na infância e que me fez tentar levar uma vida mais parecida possível à de um homem (como dirigir cedo, ficar bêbada sem vergonha e, o principal, andar sozinha sem medo).

Até pegar o meu primeiro trem na Europa.

Teve um detalhe da minha viagem Praga-Berlim que eu tinha decidido não contar, porque no fim das contas, quando a viagem acabou, achei que não tinha muita importância. Mas aí prometi pro Fê Ianni que ia publicar essa história aqui!

Quando eu entrei no trem, a primeira impressão foi boa. Cada cabine com seis bancos e encostos inteiriços que permitem tranquilamente uma boa noite de sono.

Por pouco o trem não estava deserto, o que eu achei ótimo, já que queria ficar sozinha.

***

Dominei a cabine: Deixei coisas molhadas secando, liguei o computador e, com tanta adrenalina, nem pensei em dormir. Fiquei escrevendo.

De repente, um dos funcionários do trem me aborda no meio do corredor (eu tinha saído para ir ao banheiro): "Daqui para frente, não saia mais, os assaltantes vão chrgar". Desde que cheguei na Europa Central tive a sensação de que o pessoal é direto demais. Falando o inglês deles, então, mais ainda. Por isso, na hora pensei: "Afe, que exagero! To na Europa!!!". Cinco minutos depois, o mesmo funcionário: "Acho melhor você mudar de cabine, chegou esse menino aqui, ele também é jovem... E amanhã vocês podem tomar uma cerveja juntos!"

Tudo muito estranho. Bom, o cara era funcionário do trem, né? Então acatei a ordem dele e sentei com o checo. Cara de malandro, 21 anos, a primeira coisa que ele me perguntou foi: "Você tem ticket?". Eu disse que sim, por quê. "Because I'm a black passenger". Eu vi que ele estava muito tenso desde o início. Então eu falei: "relaxa, se perguntarem alguma coisa eu digo que você está comigo!" Na hora me arrependi: "por que fui falar isso??"

No fim das contas, ele escreveu no meu moleskine a tradução de obrigado, de nada, puxe, empure (cansei de errar isso em Berlim), por favor e desculpa. E também aproveitou para aprender português! Com mais confiança, ele me contou que o mesmo funcionário que me abordou as duas vezes disse para ele que ele não precisava comprar o ticket, se não quisesse. Cobrou 20 de propina, que ele se recusou a pagar. E por isso estava com tanto medo. Tudo me pareceu tão estranho... Mas eu tava com a cabeça em outro lugar e tudo o que eu falava para ele era: "relax!! Everything is gonna be fine!"

E ficou tudo bem.

Ontem à noite, quando eu embarquei no trem Praga/Cracóvia, já entrei com um pé atrás. Estava de novo sozinha em uma cabine e, dessa vez, queria dormir. Amarrei uma alça da minha bolsa num pé e a alça da mochila em outro, para dormir tranquila. De repente, uma policial enorme, gorda, invadiu a minha cabine gritando. Eu acordei daquele jeito: coração desparado, cega, procurando o óculos e muito, muito assustada. Na hora achei que ela estivesse pedindo o meu bilhete. Então, quando mostrei, ela começou a gritar comigo!!! Muito brava! Ela fez sinal de "vem comigo" e eu, ainda muito assustada, segui. Ela me mostrou o um papel sulfite colado na janela do vagão, que dizia o nome de uma cidadezinha nada a ver. Ela bateu na janela, dizendo "YOU, KRAKOW! THIS, NOT!!!!". Eu tomei outro susto, peguei minhas coisas correndo e troquei de trem. Pouco depois, os vagões se separaram...

Acordei já na Cracóvia, não tinha mais ninguém no trem. Desesperada, achei meu óculos, joguei minhas malas na plataforma de qualquer jeito e, assim que eu saí, o trem foi embora.

Mais uma vez perdida, pedi ajuda a umas seis pessoas. Até a faxineira da estação, quando perguntei sobre o banheiro, gritou comigo... Desamparada, vi alguém com um mochilão e abordei. Depois de falar por uns cinco minutos com ele em inglês, descubro que é brasileiro. Como não adivinhei dessa vez, deus????

Ele foi um fofo, me levou até o meu albergue e vai amanhã pra Auschwitz com a gente (comigo, o Rodrigo e o Tiago, os dois primos que eu conheci em Praga, lembra?)

Eles estÃo aqui do meu lado me enchendo para eu terminar logo, vamos pra balada... To tomando quentão.

Hoje dormi até 16h, tive que trocar de albuergue (por falta de hóspedes o primeiro ia fechar) e mais tarde saí passeando pela cidade, sozinha. De longe, foi a que mais gostei. Perdi todo o preconceito que tenho contra os poloneses. Me senti muito confortável aqui, entrei na igreja mais bonita da minha vida (talvez depois da Santa Maria Del Mar, em Barcelona) e, que nem madame, entrei num restaurante e comi um tagliatele com mushrooms e lambrusco tinto.

Agora já estou sob o efeito de Wyborowa (o Rodrigo acabou de me soletrar). Não sei mais o que to falando.

Tenho que ir.

4 comentários:

  1. 1. HOW did you ever think of NOT telling that story? It’s a very good one, HELLO? Fat female police officers are funny!

    2. Oh, my god, I can’t believe you jumped on the Moleskine bandwagon. But on a second thought, that makes sense. Journalists love jumping on bandwagons. Here, two funny posts for you, my love:
    http://stuffwhitepeoplelike.com/2008/01/23/19-travelling/
    http://stuffwhitepeoplelike.com/2009/02/24/122-moleskine-notebooks/

    3. I have a bottle of Wyborowa here with me, but I’m not a big vodka fan. I’ve got it as a gift. I may share it with you someday!

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  2. ah, wyborowa... Ei, tô adorando esses posts. E já tô morrendo de saudades de viajar de novo...

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  3. Hey, Mr. White!!
    I have no clue of who you might be, but I think you're yellow! I read your posts and I have to say I loved your writting! And I bet you didn't even have to use your moleskine (cause you probably have won it from some friend that thinks he's cool and that really thinks he "creats art" even though he can't really go much far from child drawings attempts. Anyway, I liked your blog so much, I'll post about it and my moleskine (in my defense) now. And I'm looking forward for having my next Wyborowa with you.
    Ju

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  4. E Ritinha! Que legal ter você por aqui! Você acabou de me dar uma ideia de um post profundo. Daqui a pouco você vai ver! Valeu pela inspiração

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