sábado, 27 de novembro de 2010

É o que parece?




Sabe aquela cena de novela tosca em que a mulher abre uma porta misteriosa e pãm! Lá está o marido com outra? "Meu bem, não é o que parece!". O que é então? O que não parece?

Claro que a questão fica ainda mais nebulosa quando não há o flagrante.

Na quarta-feira, eu conheci um senhor de uns 75 anos, com a cara daquele vovô que tem muita história pra contar, fofo, que soube viver a vida, em uma pousada no alto de um morro do Guaraú, na Juréia, Peruíbe. E naquele momento ele era, para mim, um vovô de 75 anos com muita história pra contar, fofo, que soube viver a vida.

Quando nos conhecemos, eu estava prestes a desmaiar, já com os ouvidos tapados, a pressão bem baixa - nada que eu tenha comentado com o dono da pousada, que eu estava entrevistando, e que me apresentou ao velhinho.

Mal me cumprimentou, o vovô perguntou se eu já tinha terminado o que fazia lá, que precisava conversar comigo e que então me esperaria lá fora. Nos outros cinco minutos dentro da recepção da pousada não consegui pensar em nada além da conversa que teria com o velhinho, que se hospeda ali há anos para buscar inspiração e escrever. Ele é oftalmologista, fez o primeiro transplante de catarata do Brasil, phD em Toronto em não sei o que e autor de 14 livros.

Apressada, fui até a mesa em que o vovô me esperava. Ele pediu para que eu me sentasse ao seu lado, de frente para o mar. Me mostrou um de seus livros. Eu já sabia que ele era médium. Li na capa de um dos que estavam na mesa da recepção o subtítulo 'inspirado pelo espírito X'.

Em dois minutos, estava nova. De verdade. A falta de ar passou e eu não me sentia mais fraca. Apesar de ser um pouco tarde, eu ainda pretendia pegar a estrada de terra esburacada que leva à Barra do Una, a praia mais bonita da Juréia. Um casal de senhores donos de um boteco na frente da praia do Guaraú já havia me desanconselhado a fazer a viagem, mas eu não levei a sugestão de deixá-la para o dia seguinte a sério. Então, conheço Woyne Figner e ele me faz ficar sentada por um pouco mais de uma hora - e eu resolvo deixar Barra do Una pro dia seguinte.

Esse conjunto de acontecimentos me fez pensar três coisas: que Woyne havia me energizado e curado subitamente, que ele esticou a conversa de propósito para que escurecesse antes de eu colocar o pé na estrada - o que teria me feito escapar da morte, uhu! - e que não era por acaso que eu o havia conhecido ali - e, por isso, o levaria aonde ele quisesse ir comigo.

De repente, meu irmão me ligou. A conversa foi ordinária, ele perguntou se tudo estava bem. Depois, se tudo estava bem mesmo. Eu disse que sim, que o único problema era a solidão, mas que a isso eu me havia acostumado. Woyne estava do meu lado, ainda naquela mesa, de frente pro mar.

Desliguei. O velhinho então disse que a solidão não seria mais problema pra mim, que me acompanharia, a partir daquele momento, por onde eu fosse pelo Guia Quatro Rodas.

Primeira parada: jantar no restaurante mais caro da cidade. Ele já estava meu íntimo, colocava a mão sobre meu ombro como se eu fosse outra velhinha, sua mulher, talvez. Aquilo me incomodou, mas logo passou. Então, ele começou a falar repetidamente que me adorava, que a gente combinava muito, que eu era demais.

Estranho.

Já era tarde, e ele decidiu dormir na minha pousada em vez de subir o morro àquela hora para chegar à dele. Ok.

De manhã, ouço o velho batendo na minha janela, às 8h em ponto. "É aí que dormiu a repórter mais linda do Brasil?" Quis sair e dar uma voadora no peito dele, mas não achei muito conveniente.

Tomamos café juntos e eu fui ao trabalho, ele ficou escrevendo. Voltei depois de três horas; ele estava no mesmo lugar, agora com óculos escuros, escrevendo no caderninho que, me havia dito, usava para "redigir quando ouvia". Eu entrei na sala e senti uma energia absurda, foi como se algo tivesse tomado conta de mim. "Você é muito sensível, né?"

Medo?

Como eu estava diante de alguém com espiritalidade muito desenvolvida (e este assunto me interessa bastante), resolvi deixar a malice dele de lado e tentar aproveitar a amizade de um senhor de 75 anos, que certamente seria muito interessante. O que vivemos depois dava pra roteiro de um daqueles filmes fofos, em que uma garota legal (!) adota um velhinho solitário como amigo e eles ensinam muito um ao outro! Ai, que lindo!

Ele foi comigo até a praia do Caramborê, percorrendo uma estrada toda esburacada e enlameada - o carro quase atolou duas vezes -, fez uma trilha defícil, em mata fechada, até a praia da Desertinha (que ele teima em chamar de Escondidinha, para minha irritação profunda) e, no dia seguinte, pegou carona comigo, pela Régis, até São Paulo, onde quase morremos esmagados por vários caminhões, segundo as estatísticas dele.

Até agora não entendi por que ele quis vir para São Paulo comigo, já que tinha mais 15 dias de pousada pagos no Guaraú. Ele disse que tinha um casamento - mas por que não foi com o próprio carro? Eu cheguei a pensar que ele me protegia.

No último almoço, ele chamou o Figueiredo de mestre (no que eu perguntei, assustada, "o general????"). Depois, começou a falar em "revolução" quando se referia à ditadura (fato que eu demorei a entender... Por um instante, achei que ele se referisse à Revolução de 32). Falou na família como instituição e, já no carro, na volta, muito estressado pelo que as estatísticas dele apontavam como morte certa pra nós ("esse carro pequeno, você alta míope, chuva, noite e pista simples. Isso é alto risco, menina, isso é um absurdo, esse trabalho não é pra você, VOCÊ NÃO VAI MAIS FAZER ISSO"). Pois é, o velho começou a gritar na minha orelha, queria que eu parasse de qualquer maneira no primeiro posto, queria interromper a vigem, dormir em algum lugar.

(((Ok, fiz uma pequena omissão. No caminho para a Praia do Caramborê, o velho foi me contando as experiências sexuais dele, pelas quais, não vou negar, me interessei bastante. Falou de sexo como energia, como a coisa mais importante da vida. Falou de como aprendeu sobre o sexo tântrico com amigos indianos enquanto viveu no exterior. Falou em orgasmos de seis horas. Nesse momento, confesso que fiquei interessada/com medo (já que a qualquer comentário que ele fazia encostava a mão na minha perna - e falou sobre as "características férteis do meu corpo". Medo 2.)))

De volta à estrada:
Ele gritou: "Para aqui, menina!!! Tem um posto aqui". Eu, que como ele disse, sou míope alta, fiz que não vi a entrada. Segui. Ele continuou o sermão reacionário sobre a família e disse, do nada, elevando a voz (jutro por Deus!): E TE DIGO MAIS: É UM ABSURDO, UM A-B-S-U-R-D-O, QUE VOCÊ NÃO MORE COM SEUS PAIS. VOCÊ É SOLTEIRA, DEVERIA ESTAR NA CASA DELES. E, do nada, ele repetia: "Você vai ser minha amiga, né? Você é minha amiga do peito". Medo 3.

Não tinha o que fazer, eu seguia pela estrada da morte que nem diabo foge da cruz, mas aquele filho da puta não ia sumir do meu lado nem se eu fosse a 200 por hora.

E eu não dizia nada. Só pensava: "Deus, me ajuda a chegar em paz e me livre deste reacionário maluco que cruzou meu caminho". É, de repente, virei católica ultra-praticante.

Para distraí-lo e fazê-lo parar de gritar, eu fingi que tinha dúvidas sobre miopia - cheguei a perguntar o que aconteceria se eu tivesse filhos com alguém com oito graus de miopia, por exemplo. Ele disse que seria bem provável que eles tivessem pelo menos 15 graus. E me perguntou por quê. Eu disse que gostava de um menino que tinha oito graus de miopia. Então ele começou a falar que não é com o coração que tenho que escolher um marido, mas com a razão, já que ele possivelmente me abandonaria se eu não pensasse exclusivamente em mim. Eu comecei a discutir com o velho, falei das qualidades do tal menino. Ele disse: "fique esperta que mais cedo ou mais tarde ele cai fora", com essas palavras.

Chegamos, nos despedimos com um abraço que ele forçou e eu nunca fiquei tão aliviada, sã e salva em casa, com a sensação de que tudo não havia passado de sonho. E, para desmentir toda a teoria dele, cortei o cabelo, comprei um pó básico, arrumei todo o meu quarto... E o menino não apareceu. Fiquei com mais raiva ainda daquele velho maldito. Ele deve ter sentido as minhas vibrações (!!).

A partir daí, na minha cabeça, o menino não queria me atender porque já existia outra mulher (de novo). Até o lugar onde eles se conheceram eu já havia traçado. Mesmo depois de conversar com ele, de ouvir tudo, as palavras do velho não me saíam da cabeça. Do mesmo jeito que, quando conheci o Woyne, decidi que aquele médium seria o meu guia espiritual. E ponto final.

Mas, de repente, o espírito que me livraria de todos os males e me elevaria a alma virou um carma; e o menino, que estava dormindo quando tocou o celular, ainda não tinha outra. Ufa.

((Foto 1: Trilha que leva da Praia do Caramborê até a Desertinha, na Juréia, Peruíbe))

((Foto 2: Praia da Desertinha, depois de 45 minutos em mata fechada))

((Foto 3: Eu e o vovô-médium no início da trilha, na volta para a Praia do Caramborê, com a simpática Brisa, cadela de um caseiro que vive ali, e nos acompanhou))