quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Julianne frank*





Hoje um pensamento esquisito passou pela minha cabeça...

"Será que algum dia vou conseguir me reinserir na sociedade (qualquer uma)???".

Enumero os argumentos que fizeram surgir a dúvida (e que, confesso, me dão medo):

1. Consegui acordar mais cedo do que ontem, às 11h (!), e na hora do café, em vez de sentar na mesa grande, onde todos os outros cinco hóspedes comiam juntos, (parece que não é muita gente que quer vir para cá no inverno..), preferi me isolar numa outra salinha, netbook debaixo do braço, segurando meu prato com bolinho e frutas.

2. Em frente ao Reichstag, polêmico prédio que desde 1999 é a casa do Parlamento alemão, o Bundestag, ouvi dois meninos brasileiros conversando enquanto eu tirava fotos da fachada. Claro que diferente de brasileiros espalhados pelo mundo que pensam que são seus melhores amigos só porque você também é brasileiro, fingi que não ouvi e saí. Dois minutos depois, os dois me abordaram e me perguntaram, num inglês terrível, onde ficava o Brandenburg Gate. Eu respondi em inglês.

3. Depois de passar frio na cúpula de vidro do Reichstag, mas continuar firme no passeio, o mais gelado que fiz até agora - pela primeira vez meus pés congelaram mesmo com a super bota para neve que a Silvia me deu de Natal -, e que historicamente talvez tenha sido um dos mais legais (já conto a história do prédio), saí dali às 17h com cara de 22h e fui direto para o Memorial do Holocausto, algo que quem foi para Berlim antes de maio de 2005 não viu. Em um jardim de 20 mil metros quadrados, bem pertinho do portão de Brandenburg, a instalação é tão chocante quanto simples. E eu, que desde o mês passado estou com uma certa sensação de ser a própria reencarnação da Anne Frank*, me perdi no meio das 2.711 colunas de cimento em forma retangular. São slabs, em português, "estelas", onde ficam as inscrições funerárias dos túmulo. Não sei, quando eu vi aquilo de longe fui tomada por uma sensação esquisita de curiosidade, medo quando eu entrei e alívio quando saí. Era noite e não tinha mais ninguém lá. Só eu, andando por uns dez minutos no meio de vários túmulos a -10 graus.

4. No fim do dia, morta de fome, decidi voltar ao Asia Bistro, um restaurante chinês que salvou minha vida ontem. Quando cheguei lá pela segunda vez, o chinês fofo que até agora não sei se fala chinês ou alemão comigo me reconheceu e já foi apontando no cardápio o mesmo prato que comi ontem (arroz, frango e vegetais, que incluem cenourinhas e mushrooms!). Eu não tive que fazer nada, só sentar e esperar a minha comida já bebendo o mesmo chá de ontem, que aliás eu ainda não descobri do que é. Tá, talvez não dê para entender por que esse fato relativamente ordinário entrou na minha lista de argumentos anti-convívio-em-sociedade. Mas quem um dia conheceu a mulher do penne pasta já entendeu. Trata-se de uma senhora irlandesa velha e feia, porém simpática, que aparecia lá no restaurante que eu trabalhei, no National Concert Hall de Dublin, quase todos os dias para pedir o mesmo prato. Por isso, quando ela entrava lá, a gente já perguntava: "penne pasta, right?". Depois, quando ela terminava de comer, nem precisava perguntar se queria sobremesa ou café, já dava para ir preparando o latte usual, sem açúcar ou bolachinha. E toda vez que ela entrava lá, cada um fazia um comentário, desde "olha a penne pasta aí!" até as mais absurdas especulações sobre a vida da coitada. Eu, quando não comentava nada, pensava que a única coisa que ligava aquela senhora àquela sociedade era só um falso sentimento de inserção, o máximo que o pedaço de papel que ela lia todos os dias para se manter mais ou menos informada podia dar.

Nossa, toda essa viagem e faz só três dias que eu to sozinha! Acho que ninguém mais vai aguentar ler esse blog no fim do mês...

Bom, pois é. Como prometido no último post ao meu querido irmão, a primeira coisa que eu fiz hoje foi visitar o portão de Brandenburg. Absurdo. Mas antes de atravessar para o lado oeste da cidade (estou hospedada no lado leste, apesar de a divisão já não existir há 20 anos). me dei ao luxo de um caramel macchiato de 3,40 euros na Starbucks, o mesmo preço da bóia chinesa. Mas só fiz isso porque essa específica loja da Starbucks fica em uma esquina da própria Pariser Platz, praça onde está o portão, e, toda envidraçada, tem uma vista linda, linda. Então resolvi fazer uma pausa de 40 minutos ali, lendo meu super guia da Europa central que na real é um lixo. O café não estava tão bom quanto o que a Ju me deu de presente de despedida no meu último dia de Londres. Esse é meu preferido, mas estava aguado e tinha pouco caramelo.

De lá fui direto para o Reichstag, que foi construído em 1894 e onde a república (de Weimar) foi proclamada em 1918. Até 1933 ele serviu de Parlamento, mas depois um incêndio para lá de suspeito fez com que a casa dos deputados se mudasse para o edifício Krolloper, uma antiga casa de ópera ali perto. Acontece que, nisso, o Hitler tinha acabado de ser eleito chanceler da Alemanha e culpou os comunistas pelo incêndio. Daí ao absurdo, there's a very very fine line. Em seguida foi assinado o Decreto do Incêndio do Reichstag, que deu a primeira mostra de quão mostruoso aquele governo ainda viria a ser: foram suspensos os direitos humanos garantidos pela constituição da República. Por isso que, em 1945, o prédio foi um dos alvos principais do Exército Vermelho durante a Batalha de Berlim. A cúpula atual é uma versão moderna do arquiteto Norman Foster para o que foi destruído durante a sgunda guerra. Pena que ela é aberta e, depois de ter que esperar em uma fila patética do lado de fora, a -10 graus (que absurdo), lá dentro, a 54 metros de altura, fazia ainda mais frio.


*Apesar de ser best-seller e ter tido um exemplar dele perdido em todas as casas que eu morei até agora, em São Paulo, Barcelona e Dublin, só fui ler o Diário de Anne Frank depois de visitar a casa dela, em Amsterdam. O passeio é imperdível e o livro também. Eu sei que pode soar um pouco ridículo, mas eu me identifiquei muito com ela. Com a personalidade dela, o jeito que ela lida com os meninos, a relação que ela teve com o pai, com a mãe e até com a irmã durante a adolescência. Everything matches, surreal. Talvez por isso meus olhos encheram de lágrimas dentro do centro de informação sobre o Holocausto, sob a instalação, do arquiteto norte-americano Peter Eisenman.

((Foto 1: Vista do salão do Parlamento do alto da cúpula))

((Foto 2: Tive que esperar mais de meia hora aí, ó, nessa neve toda, para entrar no Parlamento))

((Foto 3: Antes de atravessar para a antiga west side, posei de soldadinho russo na frente do portão!))

((Foto 4: Memorial do Holocausto))

2 comentários:

  1. juuu, fique tranquila: deve existir uma sociedade para os excluídos da sociedade tradicional.

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  2. valeu, ju! Se não, a gente pode criar uma, que tal? Começando pelo fato de que todos os membros dela teriam que se chamar juliana! IMAGIIIIIIINA???? hahahahah

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