sábado, 27 de novembro de 2010

É o que parece?




Sabe aquela cena de novela tosca em que a mulher abre uma porta misteriosa e pãm! Lá está o marido com outra? "Meu bem, não é o que parece!". O que é então? O que não parece?

Claro que a questão fica ainda mais nebulosa quando não há o flagrante.

Na quarta-feira, eu conheci um senhor de uns 75 anos, com a cara daquele vovô que tem muita história pra contar, fofo, que soube viver a vida, em uma pousada no alto de um morro do Guaraú, na Juréia, Peruíbe. E naquele momento ele era, para mim, um vovô de 75 anos com muita história pra contar, fofo, que soube viver a vida.

Quando nos conhecemos, eu estava prestes a desmaiar, já com os ouvidos tapados, a pressão bem baixa - nada que eu tenha comentado com o dono da pousada, que eu estava entrevistando, e que me apresentou ao velhinho.

Mal me cumprimentou, o vovô perguntou se eu já tinha terminado o que fazia lá, que precisava conversar comigo e que então me esperaria lá fora. Nos outros cinco minutos dentro da recepção da pousada não consegui pensar em nada além da conversa que teria com o velhinho, que se hospeda ali há anos para buscar inspiração e escrever. Ele é oftalmologista, fez o primeiro transplante de catarata do Brasil, phD em Toronto em não sei o que e autor de 14 livros.

Apressada, fui até a mesa em que o vovô me esperava. Ele pediu para que eu me sentasse ao seu lado, de frente para o mar. Me mostrou um de seus livros. Eu já sabia que ele era médium. Li na capa de um dos que estavam na mesa da recepção o subtítulo 'inspirado pelo espírito X'.

Em dois minutos, estava nova. De verdade. A falta de ar passou e eu não me sentia mais fraca. Apesar de ser um pouco tarde, eu ainda pretendia pegar a estrada de terra esburacada que leva à Barra do Una, a praia mais bonita da Juréia. Um casal de senhores donos de um boteco na frente da praia do Guaraú já havia me desanconselhado a fazer a viagem, mas eu não levei a sugestão de deixá-la para o dia seguinte a sério. Então, conheço Woyne Figner e ele me faz ficar sentada por um pouco mais de uma hora - e eu resolvo deixar Barra do Una pro dia seguinte.

Esse conjunto de acontecimentos me fez pensar três coisas: que Woyne havia me energizado e curado subitamente, que ele esticou a conversa de propósito para que escurecesse antes de eu colocar o pé na estrada - o que teria me feito escapar da morte, uhu! - e que não era por acaso que eu o havia conhecido ali - e, por isso, o levaria aonde ele quisesse ir comigo.

De repente, meu irmão me ligou. A conversa foi ordinária, ele perguntou se tudo estava bem. Depois, se tudo estava bem mesmo. Eu disse que sim, que o único problema era a solidão, mas que a isso eu me havia acostumado. Woyne estava do meu lado, ainda naquela mesa, de frente pro mar.

Desliguei. O velhinho então disse que a solidão não seria mais problema pra mim, que me acompanharia, a partir daquele momento, por onde eu fosse pelo Guia Quatro Rodas.

Primeira parada: jantar no restaurante mais caro da cidade. Ele já estava meu íntimo, colocava a mão sobre meu ombro como se eu fosse outra velhinha, sua mulher, talvez. Aquilo me incomodou, mas logo passou. Então, ele começou a falar repetidamente que me adorava, que a gente combinava muito, que eu era demais.

Estranho.

Já era tarde, e ele decidiu dormir na minha pousada em vez de subir o morro àquela hora para chegar à dele. Ok.

De manhã, ouço o velho batendo na minha janela, às 8h em ponto. "É aí que dormiu a repórter mais linda do Brasil?" Quis sair e dar uma voadora no peito dele, mas não achei muito conveniente.

Tomamos café juntos e eu fui ao trabalho, ele ficou escrevendo. Voltei depois de três horas; ele estava no mesmo lugar, agora com óculos escuros, escrevendo no caderninho que, me havia dito, usava para "redigir quando ouvia". Eu entrei na sala e senti uma energia absurda, foi como se algo tivesse tomado conta de mim. "Você é muito sensível, né?"

Medo?

Como eu estava diante de alguém com espiritalidade muito desenvolvida (e este assunto me interessa bastante), resolvi deixar a malice dele de lado e tentar aproveitar a amizade de um senhor de 75 anos, que certamente seria muito interessante. O que vivemos depois dava pra roteiro de um daqueles filmes fofos, em que uma garota legal (!) adota um velhinho solitário como amigo e eles ensinam muito um ao outro! Ai, que lindo!

Ele foi comigo até a praia do Caramborê, percorrendo uma estrada toda esburacada e enlameada - o carro quase atolou duas vezes -, fez uma trilha defícil, em mata fechada, até a praia da Desertinha (que ele teima em chamar de Escondidinha, para minha irritação profunda) e, no dia seguinte, pegou carona comigo, pela Régis, até São Paulo, onde quase morremos esmagados por vários caminhões, segundo as estatísticas dele.

Até agora não entendi por que ele quis vir para São Paulo comigo, já que tinha mais 15 dias de pousada pagos no Guaraú. Ele disse que tinha um casamento - mas por que não foi com o próprio carro? Eu cheguei a pensar que ele me protegia.

No último almoço, ele chamou o Figueiredo de mestre (no que eu perguntei, assustada, "o general????"). Depois, começou a falar em "revolução" quando se referia à ditadura (fato que eu demorei a entender... Por um instante, achei que ele se referisse à Revolução de 32). Falou na família como instituição e, já no carro, na volta, muito estressado pelo que as estatísticas dele apontavam como morte certa pra nós ("esse carro pequeno, você alta míope, chuva, noite e pista simples. Isso é alto risco, menina, isso é um absurdo, esse trabalho não é pra você, VOCÊ NÃO VAI MAIS FAZER ISSO"). Pois é, o velho começou a gritar na minha orelha, queria que eu parasse de qualquer maneira no primeiro posto, queria interromper a vigem, dormir em algum lugar.

(((Ok, fiz uma pequena omissão. No caminho para a Praia do Caramborê, o velho foi me contando as experiências sexuais dele, pelas quais, não vou negar, me interessei bastante. Falou de sexo como energia, como a coisa mais importante da vida. Falou de como aprendeu sobre o sexo tântrico com amigos indianos enquanto viveu no exterior. Falou em orgasmos de seis horas. Nesse momento, confesso que fiquei interessada/com medo (já que a qualquer comentário que ele fazia encostava a mão na minha perna - e falou sobre as "características férteis do meu corpo". Medo 2.)))

De volta à estrada:
Ele gritou: "Para aqui, menina!!! Tem um posto aqui". Eu, que como ele disse, sou míope alta, fiz que não vi a entrada. Segui. Ele continuou o sermão reacionário sobre a família e disse, do nada, elevando a voz (jutro por Deus!): E TE DIGO MAIS: É UM ABSURDO, UM A-B-S-U-R-D-O, QUE VOCÊ NÃO MORE COM SEUS PAIS. VOCÊ É SOLTEIRA, DEVERIA ESTAR NA CASA DELES. E, do nada, ele repetia: "Você vai ser minha amiga, né? Você é minha amiga do peito". Medo 3.

Não tinha o que fazer, eu seguia pela estrada da morte que nem diabo foge da cruz, mas aquele filho da puta não ia sumir do meu lado nem se eu fosse a 200 por hora.

E eu não dizia nada. Só pensava: "Deus, me ajuda a chegar em paz e me livre deste reacionário maluco que cruzou meu caminho". É, de repente, virei católica ultra-praticante.

Para distraí-lo e fazê-lo parar de gritar, eu fingi que tinha dúvidas sobre miopia - cheguei a perguntar o que aconteceria se eu tivesse filhos com alguém com oito graus de miopia, por exemplo. Ele disse que seria bem provável que eles tivessem pelo menos 15 graus. E me perguntou por quê. Eu disse que gostava de um menino que tinha oito graus de miopia. Então ele começou a falar que não é com o coração que tenho que escolher um marido, mas com a razão, já que ele possivelmente me abandonaria se eu não pensasse exclusivamente em mim. Eu comecei a discutir com o velho, falei das qualidades do tal menino. Ele disse: "fique esperta que mais cedo ou mais tarde ele cai fora", com essas palavras.

Chegamos, nos despedimos com um abraço que ele forçou e eu nunca fiquei tão aliviada, sã e salva em casa, com a sensação de que tudo não havia passado de sonho. E, para desmentir toda a teoria dele, cortei o cabelo, comprei um pó básico, arrumei todo o meu quarto... E o menino não apareceu. Fiquei com mais raiva ainda daquele velho maldito. Ele deve ter sentido as minhas vibrações (!!).

A partir daí, na minha cabeça, o menino não queria me atender porque já existia outra mulher (de novo). Até o lugar onde eles se conheceram eu já havia traçado. Mesmo depois de conversar com ele, de ouvir tudo, as palavras do velho não me saíam da cabeça. Do mesmo jeito que, quando conheci o Woyne, decidi que aquele médium seria o meu guia espiritual. E ponto final.

Mas, de repente, o espírito que me livraria de todos os males e me elevaria a alma virou um carma; e o menino, que estava dormindo quando tocou o celular, ainda não tinha outra. Ufa.

((Foto 1: Trilha que leva da Praia do Caramborê até a Desertinha, na Juréia, Peruíbe))

((Foto 2: Praia da Desertinha, depois de 45 minutos em mata fechada))

((Foto 3: Eu e o vovô-médium no início da trilha, na volta para a Praia do Caramborê, com a simpática Brisa, cadela de um caseiro que vive ali, e nos acompanhou))

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

A fuga das magrelas


Ela fica, o tempo todo, ali na garagem,
encostada na vaga de algum carro desconhecido,
que a protege mesmo sem saber de quem é.

Eu fico, na maior parte do tempo, no meu quarto,
deitada na minha cama nova, queen size,
que mal chegou e já me fez uma refém qualquer.

Às vezes, a gente precisa se encontrar.
Eu tenho que fugir do conforto; ela se sente sufocar.

Durante o resgate, ela deixa o portão de ferro da garagem:
aí, já não sei mais quem queria sair correndo
(e quem estava enferrujada)
não me lembro quem foi abandonada
e a quem (quem) tinha que salvar.

Porque, quando estamos juntas, só corro

Corro, socorro, corro
Rec: recorro, corro, morro
Volto, mando, grito
Corre!
(ela tenta)
Corr, corrrrrrrrrr
Corre!
Corrrr, corrrrrrrrrrr
(a corrente arrebenta)
Paro, inalo, desvio
Ela volta,
Corre, socorre, recorre, escorre
Corr, corrr
Corre, corr, cor(ói).

Socorro
Só corre

Corre!

Ela obedece, sai correndo e eu seguro firme.
Eu obedeço, saio correndo e ela segura em mim

O vento bate forte, depois mais forte, passa por dentro e vai embora.
Pronto, tudo volta ao normal.

domingo, 18 de julho de 2010

Manual prático de sobrevivência afetiva


Eu achei que nunca mais fosse encontrar inspiração para postar de novo neste blog. Afinal, escrever sobre a minha própria vida quando os leitores são pessoas que convivem comigo limita a fantasia, não tem graça. E o lado ridículo da exposição pessoal fica ainda mais escancarado. Mas hoje, dia em que tudo foi pro beleléu, me permito postar aqui dicas para que outras pessoas evitem tal destino (ou para que se saiam bem em situações ambíguas que podem levar a ele). O post, aliás, pode até salvar o blog - antes que ele conheça o ostracismo e vá pra lá também.
(Só agora percebo que, se isso acontecer aqui, não haverá esperanças para mais nada.)

É recomendável ler cantarolando e depois refletir no banho... E de repente até aumentar a listinha e ajudar pessoas normais a entender gente esquisita!

Lá vai (as dicas estão separadas por situações):

Na cama: "Preciso te contar uma coisa. Aliás, faz tempo que preciso te falar"
Se alguém te disser isso, fuja. Finja enjoo e saia correndo até o banheiro. Depois, tente escapar pela janela.

No restaurante: "Sua felicidade me deprime"
Ao ouvir essa, chore. Chore mais. Pra ver que não adianta nada tentar mudar as coisas.

Por skype: "Não estou apaixonado por ela. Mas posso ficar"
Um ótimo exemplo de objetividade. Aprenda com a capacidade alheia.

Na balada: "Você está no seu auge. Aliás, está sempre no seu auge".
Desconfie das frases que podem ser ditas por qualquer um a qualquer um.

Por telefone: "Eu te amo, mas você merece muito mais"
Não é demais receber um conselho desses? Ainda mais quando vem da pessoa que te ama! Acredite: você merece coisa melhor (nossa, acho que já posso virar editora dos testes da nova revista Máxima! U-A-U!).

To be continued...

((Os passarinhos fofos são do pessoal da Revista Beleléu, que também está na revista Trip: revistabeleleu.wordpress.com))

domingo, 28 de março de 2010

Madadayo



Na escuridão da sala da Cinemateca, eu e o meu avô éramos os únicos a cochichar antes do início da sessão de Madadayo.

-Pronto, vô! Nem começou e já acabou, vamo embora!! - Foi a minha reação para um problema no início da projeção.

Só que, para cochichar com ele, se há de gritar...

-EEEEEEIN????

...E repetir até que ele entenda e ria da piada, mesmo que já não tenha mais graça (já não tinha mesmo).

De risinho com ele ali, esperando o filme começar, eu obviamente não imaginava que estava prestes a considerar, pela primeira vez, o fato de que meu avô um dia também vai estar pronto.

Madadayo, ao contrário do que eu pensava antes de ler a sinopse mais profunda que a wikipédia pode oferecer, não tem a ver com samurais. Não tem ação, castelo, nem nada que possa ser facilmente relacionado a um filme dirigido por Akira Kurosawa - mesmo por quem nunca viu nenhum (como eu) e aproveitou os cem anos que ele faria se estivesse vivo para conhecer seu trabalho. Por isso, a última coisa que eu esperava quando entrei na sala de cinema era sair de lá emocionada por conseguir, finalmente, enxergar alguma beleza na morte.

***

Eu, meu irmão e o vô estendemos o cafezinho e o funcionário da Cinemateca teve que vir até a nossa mesa para avisar que a sessão começaria em alguns instantes. Mesmo sabendo que meus pais já estavam lá dentro guardando três bons lugares, eu fiquei agitada e, sem perceber, apertei o passo. O Fernando me fitou com um olhar de reprovação e, com a mão, fez um gesto de "mais devagar". A cena antecipou para mim um sentimento que o filme tornaria claro, mas em que eu e a maioria das pessoas não gosta nem de pensar. Naquela hora, por uns cinco segundos, meus olhos encheram de lágrimas e, apesar dos 92 anos do vô, eu me lembrei que ele um dia também vai ter que responder "Madakai".

Claro que eu sei que todo mundo vai morrer, que temos que encarar a morte de um jeito natural e blá blá blá, mas isso já está programado nas nossas mentes: é mecânico pensar que a morte vai acontecer com todo mundo - o que não torna previsível nossa reação diante dela, seja qual for a circunstância, com uma pessoa querida ou com nós mesmos. Naquele momento, naquela fração de minuto em que eu comecei a andar mais devagar, segurei forte a mão dele e pensei que eu tinha sorte por tê-lo ali.

Passado esse momento, voltei à realidade: lá dentro, meus pais acenavam da penúltima fileira (são poucas nesta sala), com os nossos lugares reservados. Mas o vô, que confirmou, ao entrar no carro, que o óculos estava no bolso da calça, me confidenciou tê-lo esquecido. Por isso ficamos ali mesmo, na primeira fila. Depois o vô achou o óculos, mas já não dava mais, nossos lugares foram tomados. Tudo bem, ficamos ali juntos, de pescoço meio repuxado até o fim da sessão.

Para a minha surpresa, ele não desgrudou os olhos da tela, parecia o moleque de "Cinema Paradiso", fascinado. Quem já assisitiu qualquer coisa mais longa que meia hora comigo sabe que eu sou meio policial do sono e fico na vigia para me certificar de que não estou sozinha - e de que não vai ficar para mim a tarefa de resumir a história (ou desvendá-la sem nenhuma ajuda) mais tarde. Pois nas três vezes que dei uma olhadela de canto para o vô, os olhos dele nem piscavam, tão entretido que estava.

Tudo na história do professor de alemão que se aposentou para se dedicar à literatura se relaciona, de alguma maneira, com a vida do vô: desde a tolerância que aumentou com os anos (antes, o Professor Hyakken Uchida, personagem inspirado em história real, não suportava visitas. Depois, chega a pedir para que os amigos ex-alunos não o deixem) até uma grande perda (que no caso de Uchida é representada por um gato) e o desapego pela vida, no melhor sentido da expressão: os problemas deixam de ser obstáculo para serem encarados como só mais um detalhe imperfeito nos fatos que não gera insegurança ou angústia - o contrário do que acontece com os jovens, ansiosos até por não saber por que estamos ansiosos.

A calma com que o professor insiste em responder "Madadayo" (ainda não!) à provocação "Madakai" (pronto?) de seus antigos alunos é tão supreendente quanto a chegada do fim. Dormindo, ele volta à infância em sonho e descobre que está enfim "pronto", pronto para ser procurado pelos amiguinhos em um jogo de esconde-esconde, quando uma luz vermelha forte surge de maneira psicodélica no céu. As cores que se fundem com o vermelho transformam a paisagem de tal maneira que, de repente, a morte vira sinônimo de calma e felicidade (da sensação de dever cumprido).

***

Para sair, o vô desceu um lance de quatro degraus com bastante dificuldade, ele não enxergava onde terminava o chão para começar a escada.

-Daqui a pouco sou eu! - Ele disse daquele jeito brincalhão.
-Madadayo, vô. Madadayo.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

"É muito Brasil!"





Se nem eu aguento mais me ouvir falando isso, fico imaginando como meus amigos ainda não desistiram de mim.

Amanhã completo duas semanas de Brasil. Não lembro quando foi a primeira vez em que me saiu essa expressão, mas isso muito provavelmente aconteceu ainda no Aeroporto de Guarulhos, minutos depois de aterrisar.

Esperei uma hora por minhas malas que nunca apareciam na esteira tosca que emperrava e insistia em jogar o que passava por cima dela nos que a rodeavam. Por exemplo, uma mala retangular marrom sempre caía quando passava por mim, era batata. Mesmo assim, eu nunca estava preparada o suficiente para empurrá-la antes que isso acontecesse. Sempre pisava no pé de uns dois para impedir o acidente com a bagagem alheia. Depois do meu quinto empurrão, da queda de duas malas na parte interna da esteira, de ver um rapazinho pulando lá no meio para resgatá-las e da temporária paralisação do maquinário, como é que eu, já toda derretida, me abanando com o passaporte, não soltaria um "É muito Brasil!"?

No primeiro dia, tomei suco de açaí e água de coco com meus pais (o que, by the way, também foi bem Brasil) e depois resolvi acompanhar meu irmão até o trabalho dele, no prédio do Tribunal de Justiça, Centrão. Eu: branca, muito branca, de vestidinho florido, e máquina fotográfica na mão. No caminho, passamos por uma rua evangélica, com dezenas de lojas de roupas e músicas de Deus. Tinha um boteco na esquina. O sol de 35 graus me deu a sensação de estar na praia (uma daquelas farofeiras, bem Brasil também). Depois arrastei a Bel para uma passadinha pela Catedral da Sé e, pasmem, filmei um sanfoneiro que tocava no meio do povão. Devia ser evangélico também (do lado dele, alguém espalhava a brasileira palavra de Deus).

Em casa, mal desfiz as malas e enchi uma mochila com toalha, biquini e vestidinhos, a viagem de Carnaval para Ilha do Mel já estava toda programada. Dois dias antes de pegar a estrada, uma barreira cai na Régis e interdita todas as pistas. (Nossa, sério, nem é isso que eu ia dizer que era muito Brasil, mas não é MUITO??). Os jornais aconselharam adiar a viagem, mas nós, brasileiros, não desistimos nunca, não era isso? Um dia antes de ir, meu pai, preocupado, me ligou: "Ju, você viu como tá a Régis, né? Então, faz o seguinte, vai pela Castelo Branco, lembra dela, né? Das viagens para Angatuba?" E eu: "claro, claro". "Então, lembra daquele trecho do postinho policial no quilômetro tal? Então, não vira ali, vai reto e hasdgKDHkjdhkjHJKAhsjkAH (foi assim que o resto da explicação dele soou para mim)". No dia seguinte, minha mãe me liga: "Oi, Ju! Em que estrada vocês estão, o papai quer saber aqui". Eu, cara de pau: "Errr... Na Régis".

A teimosia nos custou doze horas de viagem até a Ilha e uns bons momentos esticando as perrrnas fora do carro no meio do trânsito parado, o que rendeu a foto MUITO BRASIL aí de cima.

No meio do feriado, a tentativa de sair do nosso cativeiro longínquo (um quarto tipo forno muito brasil com paredes de madeira e várias baratas voadoras dando uns rasantes) para chegar até a balada caiçaríssima foi bem engraçada. Estávamos em dez amigos que, cansados do forninho, decidiram que a tempestade de raios e trovões não nos impediria de dançar um forrózinho bem Brasil. No caminho, a tempestade piorou, os raios estavam refletindo na pontinha dos nossos narizes e chegamos a dar as mãos, com medo do mar que estava ali do lado, no esquema morre-um-morre-todo-mundo. Brasileiro, né?

Na balada, um cara que batia na minha cintura, por volta de uns 45, cheio de dreads no cabelo se aproxima com o seguinte papinho (e aquele suor bem Brasil, né?):

-Tell me (téu mi)!
-Quêêêê????????????????????????? (juro!!!)
-Tell me what you want (téu mi uati iu uanti)!

Acreditam??????? Que sotaque mais Brasil!!! Eu saí correndo, sem maiores reflexões, entendi que o meu vestidinho verde de listrinhas azuis não combinava com o modelito muito Brasil calça colada e blusinha com barriga de fora das demais meninas. Mas, menos de meia hora depois, eu passava no meio de uma galera de caiçaras quando soltei um grito:

-BEEEEEEEL, TO AQUIIII!!!!! - Tá, o meu grito também foi bem Brasil... O que talvez tenha sido determinante para a reação instantânea do negão bonitão do meu lado: "Nossa, pensei que você fosse da gringa".

-Eu, da gringa????? Depois de todo aquele samba super Brasil lá da pista????????????
Ele tentou corrigir, mas não adiantou. No dia seguinte eu comprei um colar de sementes coloridas que já sei que nunca vou usar na vida, mas me senti um pouco mais Brasil.

Uma outra série de coisas engraçadas e muito Brasil aconteceram depois disso, mas eu percebi que as pessoas à minha volta não estavam curtindo muito o jargão e ultimamente eu tenho me policiado antes de colocar o nome do Brasil em vão. Mas ontem eu não consegui. Fui no Tubaína, bar novo (na verdade nem tanto, mas pra mim tudo o que não tem mais de dois anos é novinho em folha!) ali na Haddock Lobo, na altura da minha ex-rua, a Matias Aires. No cardápio, além, claro, de várias tubaínas (pedi a arco-íris de uva, delicinha) tinha coxinha de feijão. Tem coisa mais Brasil?

Ontem à noite, a Bel estava no carro de uma amiga na Brigadeiro quando as duas foram abordadas por um louco armado e, ameaçadas, tiveram que sair do carro para ele entrar. Hoje, no telefone, quando ela me acordou para contar o susto, eu, toda sonada, pensei: nossa, que merda, é muito Brasil isso também.

FOTO 1: Depois de fotografar os sanfoneiros, queria uma foto muito Brasil de mim também

FOTO 2: O fusquinha nem precisava estar atrás da gente para essa foto ser tão Brasil. Afinal, em que outro país se tem o privilégio de fazer novas amizades no meio de uma estrada federal???

FOTO 3: Eu em um barquinho bem Brasil, um pouco antes da travessia Ilha do Mel - Pontal do Sul

Foto 4: Adoro o Brasil.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Vida longa ao Beleléu!






Desde que o meu irmão me escreveu no dia 7 de janeiro, meu terceiro dia de viagem pela Europa central e aniversário de 26 anos dele, eu me pego tentando pensar numa maneira de evitar que meu projeto de blog vá pro beleléu.

Quando publiquei o que teoricamente foi o meu último post sobre a minha aventura solitária - ainda falta escrever sobre o tenso dia que passei em Auschwitz -, pensadamente escrevi no rodapé: FIM DA MINHA VIAGEM, para ver se causaria reações (e se alguém estava lendo isso aqui).

Um ou dois dias depois, li o comentário da Isa, que me fez pensar ainda mais sobre seguir com o Beleléu. Ela sempre foi uma das pessoas que mais me incentivou (para tudo) e, dessa vez, mesmo meio que sem querer, foi de novo determinante (como foi também quando eu estava insegura sobre deixar ou não o Brasil).

Em um dos posts, a Ritinha, com quem eu tive a agradável surpresa de (re)encontrar no meio dos comentários desse blog, escreveu que tinha saudades dessa vida de viajante. Por mais simples que possa parecer, o que ela publicou aqui me fez pensar por um tempão sobre um monte de coisas. Afinal, daqui a (muito) pouco, eu também já não serei mais viajante, certo? Não, errado.

E foi para mostrar para ela (e pra mim mesma) que a gente pode ter "essa vida de viajante" mesmo em casa, que eu disse que gostaria de escrever um post sobre isso.

Depois de um ano e nove meses longe do que eu acreditava ser a "realidade", percebi que enquanto estive fora me senti muito mais livre para viver, em todos os sentidos, do que em meu próprio país. Na Espanha, todas as roupas daquelas catalanas me pareciam super esquisitas no início, os cabelos então! E eu me deslumbrava com o jeito que elas desfilavam os modelitos: nem aí para ninguém, sem esperar a aprovação ou condenação de desconhecidos. Parecia que ninguém tinha medo de mudar, de ser o que bem entendesse. Reconheço que pode ser que não seja bem assim para quem nasceu lá, que essa é a visão de quem tá de fora. Mas é o jeito que eu gosto de interpretar isso e, portanto, a maneira como eu posso escolher viver. Já em Dublin, não vou negar que achei o máximo ser considerada exótica e ser elogiada pelos meus belos olhos (gente!!! my eyes are SO ordinary!!!!). Lembro que meus amigos irlandeses me perguntavam como a brasileira pode ser tão assim, tão assado, tão mil vezes melhor que a irlandesa. De novo, tudo pode mesmo não passar de clichê, mas por que não incorporá-lo if it feels good? De repente, no finzinho dessa temporada, percebi que eu cometia um grande erro ao tratar o meu passado como "a realidade" e de viver pequenas crises pensando que teria que voltar a ela. Estava errada porque a minha vida continua sendo real em qualquer continente. Eu só não conseguia me permitir relaxar totalmente porque a vida que eu levava (e até eu mesma como mulher) estava saindo muito melhor do que a que eu sempre levei (e a que eu sempre fui). E acho até surpreendente esse meu sentimento de ansiedade (do tipo friozinho na barriga bom) por voltar: agora eu aprendi como eu quero (e posso) levar a minha própria vida, e que ela é só minha. Acho de verdade que posso conseguir me sentir turista na minha própria cidade e viver outras mil loucuras e desafios. Doesn't it sound good?

Mas eu sei que a Ritinha devia estar pensando na Torre Eiffel, no D’Orsay, no Arco do Triunfo, nos vinhos franceses e etc. Isso tudo vai sempre estar lá, isso é o melhor.

***

Por isso eu decidi que o Beleléu não vai morrer. Aliás, essa ideia nasceu em Chamonix, na França, há dois meses, quando o Romain (nosso amigo francês que nos levou para esquiar lá e que fala português fluentemente) me perguntou o que significava beleléu, depois de eu ter mencionado a expressão "foi pro beleléu", em desuso há umas duas décadas. Eu tentei explicar, a silvia tentou ajudar, ele fez que entendeu, mas a gente sabia que na real não existe uma definição palpável para isso.

Alguns instantes de reflexão depois, eu visualizei o beleléu como um lugar distante e desconhecido, exatamente como me pareciam os países que eu estava prestes a explorar sozinha e, por isso, gostei da ideia de dizer que estava no beleléu. E é também por isso que o blog não vai acabar aqui - decidi que quero continuar vivendo nesse lugar.

Já mencionei o email do meu irmão e disse que foi a partir dele que comecei a pensar num novo projeto.

Publico o teor dele aqui:

Eu escrevi tudo isso pensando em colocar como comentário no seu blog, como eu gostaria, mas talvez não seja o caso.

Só hoje fui ver o seu blog. O curioso é que antes os diários eram secretos e invariavelmente escritos por meninas. Um seu tinha até cadeado! Hoje tudo é escancarado por todos para meia dúzia de "seguidores", termo que mais lembra discípulos de alguma divindade ou do chapolin: sigam-me os bons!
Então, é uma pena que você tenha criado este blog só em 2010, 19 meses após sua fuga do terceiro mundo e a poucas semanas de voltar para ele. Deixamos de saber de várias aventuras cotidianas suas, quase quedas do trem e quase perdas de voos (vai se acostumando com o desacordo ortográfico).
Deve ser foda mesmo encarar sozinha o invern
o alemão, quando nem os turistas parece que aparecem. Só uns brasileiros perdidos e com inglês ruim que você insiste em ignorar. Espero que escrevendo seus relatos e lendo esses comentários você se sinta menos nômade e mais integrada às pessoas que vão te receber aqui de volta. Em relação ao medo da reinserção social, acho que a última coisa que vai acontecer com você é ficar como a velha da penne pasta, já que você tem raiva de qualquer rotina. Além disso, as trocentas pessoas que foram se despedir de você e da Silva no Copan não iam te permitir uma vida tão monótona.
Eu reconheço que o meu mal é a inveja, nem tanto da sua época de trabalhos braçais e mal pagos, mas desses tempos à toa pela Europa. Espero um dia conhecer metade dos lugares que você vai ter visto até o fim do seu exílio.
A vantagem do chapéu e das botas é que você pode ir trajada de russa em alguma festa a fantasia ou virar atração turística no shopping de Campos do Jordão.
Hoje vou comemorar um ano a menos de vida num bar da modinha que abriu perto da sua ex-casa. Chama Tubaína. Como no ano passado, você não imagina quanta falta vai fazer.
Beijos,
Fernando


Com um irmão assim, como não voltar confiante???

***

Não que mais alguém queira saber ou realmente se importe com as minhas aventuras cotidianas, mas eu gosto de escrever. Não tá aí um bom motivo para continuar? Então eu decidi publicar, em cada um dos meus útlimos dias de Europa, os meus top funny moments aqui. Porque tenho certeza que são entertaining enough e porque eu quero guardá-los na memória para sempre (e como a minha é fraca, talvez o Beleléu me ajude com isso mais pra frente).

Vai começar depois de Auschwitz. Aguardem.

((FOTO: O tempo entre pouso e desembarque do meu voo Budapeste-Dublin, pela Ryanair, foi de, pelo menos, meia hora. O suficiente para criar o Julinho. Na tira "Adaptação", ele, que não faz parte do universo em três dimensões, como um bom boneco de palitinho, se vê diante de uma cadeira com profundidade. Acha a novidade interessante e chega até a experimentar sentar-se nela. Mas quando se depara com a antiga cadeira de palitinhos fica mais confortável (o conforto físico não está em jogo) e decide: é ali que prefere ficar))

((Foto 2: Eu voltava do meu exame do IELTS, que fiz algumas horas depois de desembarcar em Dublin, quando vi o que considero a pior propaganda de todos os tempos. Afinal, Gaudi tem a sílaba tônica no i!! Que absurdo!))

((Foto 3: Depois da prova, tentei ir pra "festa de fim de ano" da firrrrrma, mas me atrasei (estava ocupada dormindo). Ainda deu tempo de ir na house party do Alex! Na foto, eu e ana, dona dos sapatos da foto abaixo - não parece que estou bronzeada perto dela??!!))

((Foto 4: As irlandesas só usam saltos desse tamanho pra cima!!!))

((Foto 5: No dia seguinte, o Alastair me levou para fábrica da Guiness, onde eu ainda nunca tinha ido (sério!). O passeio não é dos mais legais, na verdade você não conhece o lugar onde a guiness é mesmo feita (como a fábrica do whisky bushmills na Irlanda do Norte), só um museu tosco. Mas se for com a companhia certa, pode ser um dos mais legais que você já fez na vida.))

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Sem classe






Pensei em deixar Budapeste para outro post.

Não que a viagem não tenha sido demais. Mas a volta a Dublin foi tão surpreendente que, por incrível que possa parecer, ofuscou um pouco a minha última parada. Talvez porque a minha vontade de rever as meninas e a cidadezinha que me recebeu tão bem foi tanta que eu quase não consegui me concentrar na leitura do meu super guia da Europa central (ou dos mapas da cidade que eu teimava em perder).

Comecei então a escrever o que seria um relato breve sobre Buda e, claro, acabei me alongando. A volta a Dublin fica para amanhã.

***

Depois das duas horas dormindo no sofá do albergue de Viena (e do grito "it's already passed 5 minutes", do recepcionista fofo que me ajudou a acordar) cheguei às 6h45 na plataforma 11 de Westbahnhof, o que foi para mim quase um recorde de pontualidade (o trem saía às 6h50)! E, apesar de curtas, eu ainda contava com as três horas de viagem até Budapeste para completar a minha média de cinco horas de sono diárias.

"Can I take any seat?", foi a primeira coisa que eu perguntei para o primeiro funcionário do trem que eu vi, por causa do meu trauma anterior de me meter em vagões com destinos obscuros e porque eu queria logo largar todas as minhas tralhas no primeiro lugar que eu visse - já não aguentava mais segurar uma bolsa de mão lotada e duas sacolas plásticas cheias de lixo que eu não tinha nem coragem de jogar fora, além do mochilão.

Ele disse que sim.

Entrei no primeiro vagão que vi pela frente e adorei as poltronas de couro super confortáveis dispostas em pares. "Os trens europeus são mesmo uma caixinha de surpresa", pensei, inocente. Espaçosa (o trem estava vazio!), já joguei tudo em duas de uma vez. Passei dez minutos arrumando as malas, colocando tudo no lugar, sentando, levantando, me ajeitando para encontrar uma posição em que poderia dormir pelas próximas horas. De repente, uma aeromoça (para trens) surgiu do nada e distribuiu um suquinho e um pacote de salgadinho para cada passageiro.

Tudo bem, não posso negar que nesse ponto já desconfiava que eu não pertecia àquele vagão, especialmente depois de prestar atenção aos senhores meus vizinhos de viagem com seus respectivos ternos e notebooks, nada que ver com mochilões e sacolas plásticas cheias de lixo. Por isso, quando recebi o suquinho (que não hesitei em beber de uma vez só), achei que aquela pudesse ser a classe errada. Mas lembrei do que o funcionário que falou ("yes, any seat") e dei uma de armless john*. Fiquei lá mesmo.

De longe, vi o mesmo funcionário anteriormente abordado recolhendo os bilhetes dos passageiros. Eu, já confortável entre toda aquela gente trabalhando incansavelmente (até pensei em abrir o meu humilde netbook para me sentir ainda mais 'in'), mostrei o meu ticket sem medo.

"This is not your class."

Quê???????

Meu mundo caiu. Depois de tudo! De me familiarizar com o vagão e meus vizinhos passageiros, depois de tomar o suquinho e tudo mais, eu teria que me mudar?????? Meu deus, quanta humilhação!!!

Depois de uns cinco minutos arrumando tudo de novo, recolhendo todas os chocolates, livros e a pantufa que já estavam do lado de fora da mala, finalmente fui embora, me sentindo o Chaves sendo expulso da vila (sabe, com a trouxinha no ombro??)

Tudo bem, dei até tchauzinho para um dos meus então-ex-companheiros de viagem e segui pelo corredor em direção às classes mais baixas.

No vagão seguinte, as poltronas estreitas dispostas de três em três me fizeram crer que aquele sim era o meu lugar. Então, ainda com o salgadinho da primeira classe na mão (isso é o que eu chamaria de roubatinha involuntária), de novo espalhei minhas malas por todos os lados, peguei o que seria necessário para o meu sono e, enfim, comecei a me ajeitar para dormir (apesar dos raios do sol nascente que começavam a refletir no chão coberto de neve e ofuscar a minha visão).

De novo, o inspetor.

"Sorry, but this is still not your place", ele me disse, num tom envergonhado.

Eu comecei a rir e disse a única coisa que caberia para aquele momento: "REALLY???" Ele também deu uma risadinha - e eu comecei a ficar irritada de verdade, afinal de contas, não estava escrito em lugar nenhum nos vagões que classe era aquela e, anyway, ele não tinha me dito lá na plataforma que eu poderia sentar em "any seat"?? Puta que o pariu.

Fingindo não estar irritada e sem nem tempo de pensar no drama da humilhação e tudo o mais, já automaticamente coloquei tudo pra dentro da mala de qualquer jeito e andei, andei, andei até chegar em um vagão com uns paquis, mulheres com panos variados enrolados na cabeça e crianças chorando. Afinal, encontrei o meu lugar!

Toda essa brincadeira levou um pouco mais de uma hora e, no fim das contas, a contabilidade ficou em meia hora de sono.

Tudo bem, eu vou pra Budapesteeeee!!!! (eu tentava afirmar isso pra mim mesma, para tentar esquecer que na verdade estava exausta e daria qualquer coisa por uma boa noite - ou dia - de sono em QUALQUER LUGAR)

Cheguei na estação principal de Budapeste enjoada e perdida, muito perdida. De novo, não tinha reserva em nenhum albergue. Ali mesmo já começaram a ficar claras algumas diferenças entre Budapeste e as outras cidades visitadas (Berlim, Viena, Praga e até Cracóvia). Vários senhores e senhoras um pouco desdentados abordando TODOS os passageiros que chegavam para que trocássemos os nossos euros nos "escritórios" deles. Claro que achei tudo aquilo meio esquisito e fui direto para o ponto de informações turísticas, onde as coisas não foram menos estranhas, apesar da dica de uma casa de câmbio com boa cotação para trocar o que sobrou do meu orçamento para essa viagem.

Eu perguntei para a mulher como eu fazia para chegar em um albergue indicado no meu super guia de Europa central e ela disse: "Olha, não é longe, mas se você quiser ficar no Marco Polo, onde a noite custa dez euros, eu mesma posso fazer uma reseva para você e uma van vem te buscar aqui na porta". Se eu não estivesse tão cansada, talvez desconfiaria de alguma mutreta.

Sem pensar duas vezes, respondi: "that's great! Deal". Em uma fração de segundos, o motorista da tal van chegou e, de repente, me vi andando atrás dele, acompanhada de um alemão mal-encarado.

No caminho, silêncio total. O limite imposto pelo idioma me fez sentir confortável com toda aquela mudez (geralmente quando eu entro em um táxi ou qualquer coisa assim, começo a falar sem parar, mesmo quando não estou tão afim).

Tudo deu certo e mais uma vez resisti, num esforço absurdo, à minha caminha já preparada naquele quarto fedido do albergue - afinal só teria aquele e metade do dia seguinte para Budapeste.

Na recepção, perguntei à mocinha qual seria uma boa maneira de conhecer a cidade em um dia. Ela me indicou o famigerado ônibus hop on/hop off e eu, que sempre fui totalmente contra esse específico tipo de transporte turístico, achei que aquele talvez fosse um bom momento para me livrar do velho preconceito. Passei a mentira da estudante que perdeu a carteirinha e consegui disconto no bilhete (eu até fiz uma carteirinha de estudante trambiqueira na pizza hut antes de viajar, ainda no Brasil, mas me roubaram em Londres e acho que ela já nem teria mais validade mesmo).

Sem pressa, fui almoçar num pequenino e aconchegante restaurante húngaro barato e, depois de um PF enorme com uma montanha de arroz e peixe com molho de queijo (estranho, né? Achei que só eu colocava queijo no salmão), saí andando pra qualquer lado. Dei de cara com a Sinagoga, de longe a mais linda que eu já vi na minha vida - e olha que eu não entrei (àquela altura 2.500 florins já faziam grande diferença pra mim).

De novo, saí andando em qualquer direção e cheguei no Mercadão da cidade (que eu nem sabia que existia). O passeio foi muito legal, adoro barracas coloridas de frutas e peixes fedorentos. Lá, comprei uma rolha decorada com uma bonequinha húngara que vinha com uma pimenta para afastar o mau olhado, pra Silvia, e um par de bananas pra mim.

Atravessei o Danúbio pela ponte Szabadság e cheguei em Buda (estava no lado Peste). Antes mesmo de sair da ponte, comecei a fotografar um prédio lindo na esquina. Turista mais perdida do universo, entrei lá e perguntei o que era aquilo (estava escrito hotel e spa do lado de fora). "Esse é o spa mais antigo da Europa", me disse uma fonte não tão confiável, um senhor que queria me vender cartões postais com fotos de piscinas cobertas de alto nível. Depois de uns dois minutos eu me toquei que eu estava Géllert Baths, um dos dois lugares famosos onde se pode tomar banhos em águas termais - e onde eu ironicamente estava mais ansiosa para chegar.

No meio de tanta empolgação ("Ahhhh, que delícia! Vou encerrar minha viagem com chave de ouro, relaxada num banho turco... Ahhhh, que vidão!!") eu lembrei de algo que na hora me pareceu só um detalhe: eu não tinha biquini. Como ia pensar em trazer um biquini para uma viagem de temperatura negativas??? Esqueci até o meu cartão de crédito!!! Por favor!

Lá dentro, os biquinis custavam 40 euros pra cima (o preço ficava ainda mais assustador em florins) e todos eram simplesmente UÓ, nem a minha vó usaria algo tão enorme. Afe Maria. Pensei em nadar com as minhas roupas de baixo, mas não achei conveniente.

Saí triste, mas otimista. Teria um dia inteiro de andanças para achar um biquini que me servisse. Atravessei a rua e dei de frente para uma caverna onde, um pouco receosa, entrei. Nos fundos, uma igrejinha. Achei fenomenal. Rezei, agradeci, paguei os pecados e saí.

Segui no sentido norte, peguei um funicular e subi até Castle Hill. Fiquei louca com aquela arquitetura e fiquei um tempão na gótica Mathias Church. Depois continuei passeando por ali, mas já era noite eu não tinha noção de como fazer para ir embora. De repente, vi um grupo de japoneses (aqueles que sempr andam em grupos enormes e que eu nunca tinha notado antes de o Rodrigo me falar) entrando no ônibus 16. Achei que aquele também pudesse servir pra mim e entrei (sem bilhete, porque não tinha noção de onde comprava). Cheguei sã e salva ao albergue e acho que não levei nem um minutos para pegar no sono.

No dia seguinte, acordei cedo para uma outra voltinha a pé, dessa vez por Peste: Museu Nacional, basílica de Szt. István, Chain Bridge, a mais antiga da cidade, e Parlamento, nessa ordem. Ainda deu tempo pra comprar uma bota linda, marrom e sem salto (já nem estava mais pensando no biquini ou nas águas termais, ficou para a próxima), pegar o dinheiro gasto para a entrada no busão hop on/hop off de volta (não foi nada pessoal, mas mesmo cansada achei que sair andando sem rumo seria mais legal), pegar minhas malas e uma van até o aeroporto para, finalmente, voltar para Dublin.

*Gíria de origem irlandesa datada do século 18, rapidamente aportuguesada para o clássico "joão sem braço" pelos brasileiros que, já naquela época, iam fazer dinheiro vendendo Guiness nos pubs de Dublin. A expressão tornou-se muito popular no Brasil dada a quantidade de brasileiros que viveram/vivem dando uma de migué na Irlanda.

((FOTO 1: A Assembleia Nacional da Hungria se reune no prédio mais antigo da Hungria. O Országház é o segundo maior parlamento da Europa))

((FOTO 2: A St. Stephen Basilica é tão alta quanto o Parlamento e a construção neoclássica levou 54 anos para ser finalizada - o colapso da cúpula, em 1868, atrasou os trabalhos))

((FOTO 3: A Széchenyi (Chain Bridge) é a ponte mais velha sobre o Danúbio. E certamente a mais bonita. A foto noturna foi tirada de cima de Castle Hill))

((FOTO 4: A caverna que virou igrejinha de pedra))

((FOTO 5: Segundo a Wikipedia, essa é a maior e mais monumental sinagoga da Europa. A fachada tem uma coisa meio árabe porque foi construída em estilo neomourisco (que imitava arte islâmica). Só não entrei pra ter que rolar a "próxima vez". Quem topa voltar comigo?))

FIM DA MINHA VIAGEM.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Sissi = Romy = ? / Mulher = homem = ?




((Assim que encontrar uma boa rede de wifi conserto os acentos desse texto))

Ouvi falar pela primeira vez da atriz Romy Schneider quando visitei o Museu do Cinema, no Sony Center, em Berlim. Fiquei hipnotizada pela beleza dela e analisei cartaz por cartaz, li texto por texto, ate entrevista em progama do Jo alemao eu fiquei la ouvindo. Essa foi tambem a primeira vez que escutei sobre a Sissi, imperatriz da Austria e Rainha hungara que Romy interpretou (aparentemente, eu ainda nao vi) tao bem no cinema que parece ela mesma ter virado um pouco Sisi tambem.

***

No meu ultimo dia em Berlim, em um bar com o Thomas, ele viu o folheto do Museu do Cinema com a foto da atriz no meu caderno e eu comentei que a historia dela me chamou a atencao. "Quantos anos ela deve ter hoje?", perguntei.

"Nossa, acho que faz uns 40 que ela morreu!!!"

"haaa!!! Nao acreditoooo!!!!!!" Eu respondi, chocada.

Muitas gargalhadas depois ("eu nunca nem tinha ouvido falado dela, c'mon"), ele explicou que achava que ela tinha morrido de overdose e eu fiquei surpresa de verdade.

Olha so que coisa: a Sissi era cosiderada a mulher mais bonita da Hungria do seculo 19. A Romy, muito mais bonita que ela, tambem deve ter sido vista assim na Alemanha dos anos 50. A Sissi se dizia incompreendida, nao conseguia viver sob a etiqueta real dos Habsburgo. A Romy teve que se esforcar muito para se desvencilhar da Sissi, trocando a Alemanha pela Franca - e causando aparente indignacao no publico alemao. Desde o suicidio do filho, a Sissi ja estava morrendo aos poucos, em depressao grave, ate que foi assassinada no meio da rua por um anarquista. O filho da Romy morreu com 14 anos e depois disso ela se afundou nas drogas, o que a levou `a morte por ataque cardiaco. A depressao de nenhuma das duas teve a ver exclusivamente com a morte do filho.

Achei louca a semelhanca entre elas e estava bastante curiosa para conhecer um pouco a rotina da Sissi real no Hofburg (Palacio de Inverno dos Habsburgo) - e tentar entender por que ela foi tao incompreendida assim.

Na verdade, acho que ela era tao bonita que ficou obcecada com a propria beleza ao envelhecer. Todos os dias, levava tres horas para se arrumar. Duas so com o cabelo (que alguem fazia para ela, claro). Sobrava tempo demais para pensar na vida! E tanta reflexao a fazia crer que estava presa em si mesma, naquela vidinha de mentiras, sem volta (por isso gostava tanto de viajar, era o seu unico escapismo). E, de alguma maneira, acho que isso foi um pouco o que levou a Romy a se matar tambem: pensar que a vida ja nao tinha mais volta.

Enfim, adorei a visita ao palacio e achei interessante a sala das pratarias, apesar do tedio de ver aquelas infinitas colecoes de porcelanas e pratas que a realeza usava para comer.

De la, fui dar uma voltinha no Museum Quarter. E o maximo aquele monte de exposicoes juntas, uma do lado da outra, num lugar so - no que e considerada a oitava maior area cultural do mundo, com predios modernos e barrocos juntos. O complexo e gigante e muito bonito. Fica de frente para o Hofburg.

Parece que o Leopold Museum e o mais famosinho, mas estava fechado ontem. Ainda bem, porque acabei indo ver a exposicao 'Gender Check', no Mumok (Museum Moderner Kunst Ludwig Wien).

Primeiro eu achei que fosse uma coisa modernosa sobre preconceitos relacionados `a homossexualidade e estava com um pouco de preguica desse assunto. Mas depois de saber do que se tratava, me interessei muito - so nao fiquei mais tempo la porque o museu fechou.

Eles reuniram 400 trabalhos de varios tipos de midia (principalmente pinturas e fotos) criados a partir de 1960 nos paises da Europa do Leste para mostrar como foram mudando os papeis do homem e da mulher na sociedade. Por exemplo, durante o comunismo, varios artistas pintaram o homem e a mulher idealizados pela propaganda do governo, focando a tal 'genderless society', em que nao haveria diferencas entre os sexos: as mulheres nao teriam as vaidades do ocidente e trabalhariam para o estado num esforco masculino. Na mesma epoca, pinturas lado B mostravam que a propaganda era mentirosa. Mais tarde, no comeco dos 70, veio a liberalizacao da sexualidade do homem e da mulher, transformando a propaganda do governo em cliche ultrapassado. Depois, com a queda do muro, as liberdades capitalistas chegaram acompanhadas de preconceito, conservadorismo e ate xenofobia.

Achei a curadoria o maximo (comandada por Bojana Pejic). A exposicao e muito bem organizada e faz sentido historico.

Claro que passei pela Lomo Shop, do lado do Mumok, e comprei o presente da Thata!

Depois da andanca, dormi no sofa do albergue com medo de nao acordar para o primeiro trem do dia: embarquei para Buda `as 6h50.

((Foto 1: Nao podia fotografar os apartamentos do Palcio de Hofburg, entao coloquei essa foto com porcelanas com motivos naturais pintadas `a mao, usadas pela realeza, que expicita a adoracao de Sissi pelo escapismo das viagens que fazia pelo mundo))

((Foto 2: O bigodinho e a menor das diferencas))

((Foto 3: Esse quadro de 1950 exemplifica bem o conjunto de pinturas (meio que desconhecidas no mundo da arte ate hoje) que obedeciam as ideias comunistas no Leste Eurpeu. Autor: Wojciech Fangor (Polonia). Reparem nas diferencas enre as unhas feitas de uma e a mao caleijada da outra mulher (uma trabalhadora e oura nao). E repare tb na estampa dos vestido da primeira. Note que o homem esta no centro da tela, representando o contraditorio papel principal na sociedade))

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

DER LUSTIGSTE TAG!






Quem aguentar firme e ler esse post até o final vai ver que o título faz sentido.

Meu primeiro dia em Viena tinha tudo para ser normal, afinal eu não conheço ninguém aqui - e não tenho mais tempo para novas amizades mesmo. Eu sei que essa parece uma atitude meio rude, mas depois de passar o meu penúltimo dia na Cracóvia com dois "novos amigos", que só me fizeram ver como pode existir gente maníaca-depressiva nesse mundo, decidi voltar para a minha resolução inicial e me fechar para a sociedade de novo.

Só que, ainda na Cracóvia, antes mesmo da partida do trem, a senhora polonesa que estava na minha cabine quis puxar assunto. Ah, um detalhe bem importante: ela não fala inglês).

A passagem de trem Cracóvia/Viena foi a mais cara até agora, 366 slots (o equivalente a 89 euros. As outras foram entre 40 e 60 euros). Claro, não tinha o que fazer, paguei. Na plataforma, esperta para não entrar no vagão errado, como eu fiz de Praga para Cracóvia, perguntei para um guardinha para onde deveria ir. "Sleeping seat?", ele me perguntou. Eu, cansada, respondi com um meio grosseiro "I don't know" (sabe aquele que tem a balançadinha no ombro e faz os músculos do lábio inferior se contraírem para baixo?). Então ele, gentil, foi comigo até a minha cabine. Aliás, uma coisa contraditória que eu aprendi aqui: se você é gentil, eles são grossos. Se você é grosso, são gentis. E eu, que não gosto de ser grossa, posso dizer que aprendi bem a regra.

Quando entrei na cabine, em vez de dois bancos inteiriços (com os quais já tinha ficado feliz na primeira viagem), vejo um beliche triplo de um lado e, do outro, um closet para os casacos e um armário com um croissant de chocolate e duas garrafas de água para cada passageiro! Não é o máximo??? Tudo bem que eu paguei por isso, mas achei um luxo. Então cheguei, coloquei TODA a minha bagunça na cama diretamente superior à da senhora previamente comentada, e fui ao banheiro. Na volta, aquela discussão (que eu, graças a deus, não pude entender). Fiquei sabendo, depois de algumas tentativas de comunicação, que a minha cama não era aquela, e sim a última, no topo (uma que tem dez centímetros entre a cabeça e o teto. Eu, que já tinha decidido dormir mesmo, não me importei.

Três horas depois, 1h30 da manhã, acordei com um barulho estranho. Sem óculos (e nem pistas dele - portanto não consegui ver as horas na correria, meu olho tava muito embaçado), eu quase caí do terceiro andar do beliche triplo. Não tinha ninguém na cabine! Eu saí muito assustada, desesperada, achando que já era mais de 6h30 e que eu tinha perdido o ponto (porque a senhora polonesa também ia para Viena).

Saí da cabine que nem uma louca, com o cabelo todo desgrenhado e as minhas pantufinhas verdes com pinguins de pelúcia. Ao mesmo tempo, um cara (um borrão, para os meus olhos) também saiu correndo da dele. Nos encontramos no corredor. "Is this Westbahnhof??". E ele: "Não, não... Relaxa, eu também achei que fosse". (Que engraçado esse diálogo inglês/português. Vou deixar assim mesmo). O cara é polonês, mas mora em Viena e voltava de uma visitinha à casa dos pais. Engraçado que a gente ficou conversando um monte e eu não tenho a menor noção de como ele é: espinhudo ou não, narigudo ou não, careca ou não... 20 ou 40: x. No fim da conversa, ele me contou que voltava de um casamento e que tinha um monte de comida na mochila, por isso não ia comer o croissant de chocolate. Me perguntou se eu queria, mas fiquei com vergonha de aceitar. No fim, ele disse pra eu colocar o alarme para despertar. Como eu ainda não tinha feito isso???

Cada um de volta pra sua cabine.

Quando eu entrei, encontrei meus óculos e percebi que, sim, a senhora polonesa ainda estava lá, debaixo do edredon. Fiquei morrendo de vergonha, porque conversei por uns dez minutos com o moleque/senhor? do lado de fora fazendo o maior barulho (eu falo meio alto). Claro que ela estava acordada. Me senti mal por uns dois minutos, mas depois já caí no sono de novo.

E tudo isso pra contar que, quando eu acordei, às 5h30, ela já estava de pé - e claramente querendo interagir. "kjhdkjahdjkshd"? "Humm... Sorry, I don't...", no que ela me interrompe: "jhdgcxty!!! ysfs, jkshkjs?" Então percebi que a vontade de conversar dela era tanta, que eu nem precisava entendê-la. Por isso começamos a ter o que eu decidi ser a verdadeira conversa sem pé nem cabeça. Ela falava qualquer coisa, eu respondia qualquer coisa. E a gente sempre concordava!!! Foi ótimo!

***

Já era quase 7h quando eu cheguei no albergue, a poucos metros da Westbahnhof, estação onde o trem parou. Pedi a chave do meu quarto e, apesar de o check-in aqui ser só depois das 14h (que ridículo), eu pedi "only a shower" pro cara e, com dó, ele me deu a chave do quarto de uma vez. Prometi pra mim mesma que não iria dormir. Resistiria bravamente àquela caminha feita e à escuridão do dia que acabara de nascer. Por isso, tomei um longo banho que me acordou o suficiente para que eu pegasse o meu super guia da Europa central e tentar programar o meu dia durante o café da manhã.

Pensei bem e decidi ficar em Viena por duas noites em vez de uma só. Então fui na recepção e me disseram que eu teria que mudar de quarto. Tudo bem, mais uma vez ficaria eu zanzando pelo albergue com todas as minhas tranqueiras. Antes de entrar no ex-quarto, que eu dividia com outras três pessoas, percebi que tinha gente dentro. Então dei aquelas três batidinhas básicas. Sem resposta. Por isso passei tranquilamente a minha chave magnética.

A primeira coisa que eu vejo é... Uma bunda branca! Acreditam????? Nada contra bundas, muito menos as brancas (é só o que tem por aqui mesmo). Mas eu bati na porta, gente!!! Pelo amor de deus. E o cara tava justo em frente à porta se trocando quando a toalha "caiu" da cintura dele.

Eu fiquei tão sem graça, mas tanto, que a minha reação na hora foi sair do quarto correndo, o que só piorou as coisas, claro. Eu fiquei atrás da porta que nem uma criança medrosa por alguns segundos até que decidi entrar logo de novo antes que ficasse mais chato. Entrei. Além do cara, estava lá também a namorada dele - o que torna as coisas ainda piores. Ela foi fofa, fez a que não viu nada. Eu imitei. Naquele sotaque australiano (que eu reconheci pela embalagem de um creme para a pele que eu vi no banheiro duas horas antes), ela me perguntou se tinha sido eu que entrei de manhazinha. Eu disse que sim, mas que "tentei não fazer muito barulho". E ela me contou sobre os "cops" que entraram em alguns quartos no início da madrugada (aparentemente houve algum tipo de confusão/assalto nesse albergue horas antes de eu chegar) e disse que achou que eu pudesse ser eles (???). Eu, que estava rezando pelo momento de sair voando daquele quarto, só consegui dizer: "Oh, no, no! You're safe with me!... ehh.. Bye!!" Foi ridículo. E o "sorry" baixinho do namorado dela piorou as coisas - se é que ainda dava pra piorar aquela situação.

Saí de lá rindo sozinha.

Minha primeira parada foi o Musikverein, a mais famosa sala de concertos da cidade, casa da Orquestra Filarmônica de Viena, que é aparentemente bastante famosa internacionalemnte pelas suas apresentações especiais de ano novo. Enfim, decidi ir lá em primeiro lugar porque o Rodrigo (um dos dois primos que eu conheci em Praga e que encontrei na Cracóvia) me disse que eles conseguiram ver um concerto lá no sabado por 10 euros. Quando eu cheguei, a mulher da recepção me falou que, por causa de uma baile anual, não haveria apresentações nesta semana. Eu pensei: olha só. Tem uma semana por ano que a orquestra não se apresenta e ela começa hoje. Que coisa!" Chateada, decidi pagar cinco euros para a vista guiada que começava às 13h. Como ainda era 12h30, resolvi dar uma passadinha na Vienna State Opera, construção de 1869 que abriga as óperas mais importantes da cidade.

Chegando lá, tentei abrir porta por porta, mas tudo estava aparentemente trancado. Só porque não tinha mesmo nenhuma outra opção, decidi abordar uma figura estranha, com capa de batman, chapéu engraçado e cara de mala, para perguntar se eles também estavam "fechados para baile" ali ou o que. Ele já foi abrindo um catálogo e começou a me mostrar quais lugares eu podia comprar e por quanto. A ópera em cartaz era Le Nozze di Figaro (O nariz de Figaro!! HAHAHA Imagiina? Tá, significa As Bodas de Fígaro) e eu queria MUITO ver. Então disse para ele esperar um pouquinho que ia tentar na bilheteria e já voltava (ele mesmo me mostrou a porta certa).

Na bilheteria, o vendedor disse que 192 euros era o preço do ingresso mais barato para aquela noite. E eu então perguntei sobre os caras com capas de batman que me ofereceram o ingresso na porta por 30 (sabe-se lá quando podemos confiar em cambistas). O bilheteiro muito grosseiramente me disse que "não sabe nada sobre isso". No que eu tentei insistir: "but I.. I..", ele me cortou de novo: "I don't know anything about them". Tá, fiquei puta e decidi comprar dos cambistas de uma vez, afinal a visita guiada do concert hall estava a ponto de começar.

O mala vestido de morcego com chapéu de don Juan me pediu para que o acompanhasse até o "escritório". "E onde é isso?", perguntei, com uma puta pressa (tinha 7 minutos para estar de volta no Musikverein). Uma canadense que também queria comprar entradas no mercado negro foi com a gente. Chegamos a uma loja de músicas e subimos as escadas, os três juntos, eu, a canadense perdida e o super-homem, e entramos numa fila, para o meu desespero. Falei na hora que não poderia esperar, mas que em meia hora voltava, sem problemas. Ele começou a mobilizar a galera pra me passar na frente de todo mundo. Eu, envergonhada, disse que de verdade não precisava daquilo, que eu já voltava. Combinamos então que eu não precisaria voltar - ele estaria na porta da casa de ópera me esperando com o meu ingresso. Achei bom e saí correndo.

Depois da pior visita guiada da minha vida - acho sinceramente que o guia do Musikverein passou mal e colocaram uma funcionária do Box Office para contar a "história" do lugar para gente. Então, aprendi só que no ano novo se paga 30 euros para ficar em pé e os melhores ingressos custam quase mil. Ela mostrou de onde cada ticket dá direito a assistir aos concertos e ticket isso e ticket aquilo. Ficou até chato. Daí ela falou um pouquinho das estátuas gregas nos pilares e do ógão, que na verdade não está lá (com 40 anos de idade vai ser trocado e, enquanto isso, com os tubos vazios, usavam um eletrônico - isso ela só falou porque eu perguntei!). Juro, foi a pior visita da minha vida e aquela japonesaiada toda ainda bateu palma no final, inacreditável.

Saí de lá correndo (de novo). Quase na porta da ópera lembrei de uma bolsa nova que tinha comprado no caminho e que já tinha perdido (ela é linda e foi uma barganha*: 10 euros). Voltei, peguei a bolsa, comprei um negocinho para a Carla na lojinha e fui de novo para ópera (já tinha decorado os caminhos).

Encontrei o esquisito/mala, que me disse que não permitiram que ele trouxesse o meu ticket. Eu falei que não tinha o menor problema e que iria lá buscar. Ele então pegou o celular e disse que ia ligar pra eles para confirmar não sei o que; estranho. Eu falei "não, não! Não precisa se preocupar, vou passar por lá agora de qualquer maneira! Não tem problema mesmo! Valeu, tchau, até nunca mais". De repente, uma multidão de turistas invadiu o lugar (estávamos em frente à entrada principal da casa de ópera). Eu, tentando me livrar daquela confusão repentina, sinti uma mão tocando o meu ombro, do nada.

-Sorry (Meu Deus, outro cara com capa de morcego! Macacos me mordam!)

-I din't have a chance to talk to you before (claro que não, né?), my name is xxxxx, by the way.

Eu tive que dar a mão ao batman desconhecido. Ele não era de todo o mal: alto, cara de gente fina, beirando os 40, eu diria.

-When are you leaving?

E eu, mais do que depressa: "Tomorrow morning, unfortunately" (meu deus, o que está acontecendo aqui???)

-Are you going out tonight? (o quê???????? Que absurdo, ele nunca me viu na vida!!!! Que liberdade é essa? Como assim? E eu não tenho tempo pra inventar nada melhor que...)

-No, I need to get some sleep. (nossa, foi péssima essa. Mas por que eu to me preocupando???)

-No, no. You need to know Viena at night. (quem é ele para me dizer o que eu preciso ou não fazer??) I know great bars and parties and, you know, there are just few of them open on a monday night. (ha-ha-ha. CHEGÔ)

-Oh, That's very nice of you, but I need to get a train really early in the morning. So, maybe next time? (ufa, só falta falar tchau)

-Look, if you want to, I can just pick you up here when the opera is over. (puta que pariu, tenha a santa paciência).

-No, thank you.

-Ok, but if you change your mind, I'll still be here.

-Alright! bye!!

Eu saí em qualquer direção rindo tanto, alto, por uns cinco minutos! Comecei a pensar que vou dar a dica para minhas amigas solteiras: fique 20 dias com o mesmo casaco, a mesma calça e o mesmo gorrinho sujo, com a pele toda detonada e uma super bota para neve (aquela que a silvia me deu de Natal - agora to repetindo isso só porque a isa disse que era engraçado!) que mais se parece patas de urso, que de repente um quarentão alto de olho azul pode querer sair com você (mas vou omitir a parte da capa de morcego e do trampo de cambista, tá?).

Finalmente, no ticket office, sem mais obstáculos masculinos pelo caminho, o vendedor me disse que a visão era quase nula para o lugar que o bilhete de 30 euros me daria direito.

"That's fine."

Saí dali e comecei a passear pela movimentadinha Weihburg, no centro. Parei para o esquema cafezinho espresso de 1,50 acompanhado de super misto frio que costumo fazer no café da manhã dos albergues e levar na bolsa.

De lá visitei a Stephansdom (St, Stephen's Cathedral), lindíssima obra de arte gótica do século 13. Sério, pirei quando eu entrei lá. Rezei, dei uma voltinha e saí (turismo rápido é assim). Eu sabia que a casa do Mozart ficava em algum lugar perto dali e, depois da ajuda de três vienenses diferentes, encontrei o apartamento em que um dos compositores mais famosos do mundo morou entre de 1784 a 1787. O filme "Amadeus" começou a passar inteiro pela minha mente e a minha imaginação foi longe, mesmo antes de entrar. O Mozarthaus Vienna é também um museu, que ocupa outros três andares do predinho. Não tem nada de mais, sabe? Mas eu gostei muito, foi uma boa preparação para assistir à ópera dele, às 19h.

Até lá, fiquei entrando em qualquer igreja que via pela frente (a St. Peter também é muito bonita e tava rolando outra missa quando eu entrei, que chato!) e saí andando sem rumo. O dia estava chegando ao fim e o sol, se pondo. Cat Power combinou muito com o clima da cidade. Passei em frente ao Hofburg, impressionante palácio de inverno dos Habsburgo, e fui andando pela Dr. Karla Renner para ver o Palácio de Justiça, o Parlamento, o Rathaus (onde fica a Prefeitura e, de longe, a construção mais bonita da rua - foi esse prédio alias que, de longe, me atraiu para aquela região), e finalmente a universidade.

Já era noite e achei que perderia a hora se não pegasse o bonde (tram), então comprei o meu primeiro Mc Donald's de toda a viagem, engoli o Mc Salad sem salada e fui embora.

No trem, um casal de velhinhos sentou do meu lado e ficou me olhando, fazendo comentários entre si. Eu olhei pra eles, com aquela cara de curiosidade, eles me olharam e comentaram de novo, eu ri (tava mesmo engraçado) e a senhora falou: "kjhaskkjhKDGakjshAK". Antes de eu conseguir terminar o meu já batido "sorry, I don't..." (ela não escutava bem anyway), o velhinho virou e cochichou no meu ouvido. De novo: "kjhgasgskjgdkjsad". Muitíssimo curiosa para saber do que se tratava tanto mistério... Chegou o meu ponto, tive que descer. Mais uma vez saí correndo.

***

Nossa, quanta pompa! Quando cheguei no State Opera me deu até vergonha de mostrar o meu bilhete pros ulshers!!! Todo mundo ali tinha casacos de pele e uma média de 60 anos de idade! E eu, claro, como o mesmo casaco e boininha azuis de sempre! Até pensei em comprar um cachecol novo para a ocasião, sabe? Pelo menos ia dar pra ver alguma diferença nas fotos, mas desencanei.

Passei reto pelo bar me lembrando muito dos meus tempos de barwoman do National Concert Hall de Dublin. Fui mostrando o meu ticket para cada funcionário até chegar na minha cabine, a número 1, no terceiro andar.

O lugar é gigantesco, todas as cabines tem paredes vermelhas de veludo fino e detalhes dourados. Dois minutos antes de começar, só ficava olhando para o público naquele lugar, a casa cheia, o máximo. E eu, bem brasileira, estava numa cadeira que não era a minha, que tinha a vista perfeita! (a cabine 1 fica bem em cima da orquestra). Daí um menino chato chegou e me pediu para que eu me retirasse porque o lugar era dele. Tentei, né?

Atrás dele a visão ficou bem prejudicada, mas ainda dava para ver. Um casal de espanhóis fofos que conseguiram comprar lugares ainda piores que o meu resolveram se levantar. Então fiz o mesmo porque eu já tinha pescado duas vezes (estava muito cansada). A ópera tem quatro atos separados por um intervalo (total de três horas), durante o qual eu peguei no sono. Mas o cochilo me fez acordar para a segunda parte, que é muito melhor que a primeira. Quando eu cansava de ficar em pé, sentava e ouvia a música (tem telinhas com legendas em alemão e inglês para todos!), que de tão bonita, já bastava. Mas a atuação dos caras estava muito boa e a ópera, que chegou a ser proibida quando foi criada por satirizar a alta sociedade do século 18, engraçada. Talvez essa ópera-bufa seja uma boa opção pra quem não está muito acostumado com óperas, como eu. Primeiro por ser uma comédia e segundo por tratar de hipocrisia e traição, temas bem atuais, certo?

Na saída, tentei pegar o metrô para ir para o albergue, mas fiquei com a sensação de que estava mais perdida no metrô do que fora, então encarei uma caminhada de uma hora. Tempo suficiente para pensar numa conclusão pessoal para a ópera do Mozart: não, melhor não falar aqui.

DER LUSTIGSTE TAG = o dia mais engraçado.

((Foto 1: Musikverein fechado para baile))

((Foto 3: Não dá pra fotografar a St. Stephen Church de nenhum ângulo!))

((Foto 2: A rua do Mozart))

((Foto 4: Portão para o palácio de inverno dos Habsburgo - minha máquina me impressionou nessa daí!!))

((Foto 5: Eu, sem o meu casaco de pele, na Vienna State Opera))

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Templo Salgado





Como vocês devem ter percebido (claro, né? Porque ninguém tem mais nada para fazer da vida!), ontem eu não escrevi aqui. O dia foi uma correria danada, era o meu último na Cracóvia, cidade que me surpreendeu muitíssimo, e eu ainda fui dar uma voltinha em Wieliczka, a 15 quilômetros do centro, para conhecer a Mina de Sal.

Não sei se foi porque eu não esperava absolutamente nada do passeio (as polonesas que trabalham no albergue onde eu fiquei hospedada, "Goodbye, Lenin", me disseram que era "normal". "Ah... Tudo é feito de sal", foi o único argumento que elas conseguiram me dar para eu ficar um dia a mais na Polônia e visitar o lugar. Acho que elas são das que pulam e se encaixam nos meninos na balada. Sério. Indício: quando eu estava sozinha, elas mal olhavam para mim. Se tinha algum menino por perto, era uma gritaria insuportável.

Diferenças culturais aside: acho que foi menos por minha baixa expectativa e mais pelo absurdo que é aquela mina - tem 300 quilômetros de comprimento e chega a 327 metros debaixo da terra.

Desde a segunda metade do século 13 até 1996, a mina produziu sal comercialmente e desenvolveu o talento de vários trabalhadores braçais que, depois do expediente, em vez de deixar o mundo subterrâneo correndo, ficavam esculpindo as pedras de sal - apesar das ridículas condições de trabalho a que a maioria muitas vezes nem sobrevivia (mas quem trabalhava lá ganhava uma grana, já que o sal era uma especiaria valiosíssima no passado).

Apesar de ser muito interessante de verdade, confesso que o passeio me deu um pouco de sono. E isso porque só 1,3 km da mina faz parte do roteiro turístico - o resto está fechado para o público. Mas é que chega uma hora que tudo parece meio que igual. Para me manter acordada, decidi seguir o conselho da guia (que tentava ser engraçada em todos os comentários, como esse: "if you don't believe me, you can leek the walls"), então... Provei as paredes. Também comecei a passar sal na cara inteira, parece que faz bem pra pele (pelo menos o ar puro dali "diz que" faz. Então tá, né? Ah! Aliás, a minha pele já melhorou muito desde comecei a usar aquele creme para peles extremamente ressecadas da La Roche-Posay, ótimo para temperaturas negativas e ventanias cortantes (nossa, virou roteiro do Show de Truman).

Última coisa sobre a mina: uma mulher chamada Kinga (em português o nome é bizarro: Cunegunda), que foi parte da coroa húngara no século 13 e se casou com o príncipe da Polônia (Rei Boleslaw V), foi aclamada pelo povo de Wieliczka, na época, como responsável pelo surgimento da mina. Não me lembro bem do que a guia contou (na internet não achei a versão dela para a lenda), mas era algo como um presente de casamento que ela pediu e, quando ganhou a mina, achou lá dentro o anel de compromisso que havia perdido. Bom, vai saber. Parece também que ela nunca chegou a "consumir" o casamento e depois virou freira. Em 1999 foi canonizada pelo papa João Paulo II.

Pode parecer, mas não foi protecionismo polonês - para se ter uma noção da importância que a Kinga tem naquele lugar, o ponto alto (altíssimo) da visita é uma igreja enorme, também subterrânea, construída em sua homenagem. Sério, o passeio vale mais a pena por causa desse templo salgado que, feito com 20 mil toneladas de pedras de sal, tem até uma réplica da Santa Ceia na parede. Os lustres com cristais (de sal!) são belíssimos e dão um contraste chique à igreja de pedra, além de uns arrepios de emoção (sério!)

O conjunto de esculturas mais nada a ver de todos os tempos também me ajudou a não cair no sono. Chega a ser engraçada a reunião, em versões de pedra de sal, do papa João Paulo II, que na infância visitou a mina com o colégio, do Copérnico, o astronômo polonês dono da teoria do heliocentrismo (sol no centro do sistema solar), da Kinga, claro, e até dos anões da Branca de Neve...

Voltei de lá bem mais tarde que o previsto e a cidade já estava escura, mas ainda deu tempo de dar uma voltinha pelo bairro judeu, que é a região mais legal da Cracóvia, depois de Rynek Glówny (Main Market Square). Com um monte de restaurantes e barzinhos descoladinhos, longe daquela molecada do centro - e olha que quase não tem turista no inverno! Lá também deu para encontrar comidinhas típicas polonesas. Se bem que na hora de pedir, desisti da sopa com salsicha (típica) e escolhi o crepe russo, com queijo e batata (1/2 típico e uma delícia!)

Bom, me enrolei nesse post e vou ter que escrever outro só para o dia de hoje. Cheguei em Viena às 7h da manhã e hoje foi, de longe, o dia mais engraçado da viagem inteira!

Viena á um absurda. Já conto.

((Foto 1: St. Mary Church no meu último dia de viagem, antes de ir pra Mina de Sal. Quando eu visitei essa igreja um anúncio dizia: "only prayers" (ou seja: turistas que não rezam pagam) e eu, com a minha melhor cara de peregrina entrei, fiz sinal da cruz e até me refresquei com água benta. Cheguei a ajoehar e rezar, principalmente agradecer por ainda estar viva depois de tantas irresponsabilidades nessa viagem! Naquela hora só tinha umas outras dez pessoas rezando na igreja quando, de repente, começou uma missa. Claro que eu não podia sair correndo na cara do padre e acabei assistindo a uns 15 minutos de missa em polonês - não é tão diferente do que eu me lembro de entender da missa quando eu era criança e estudava em colégio católico - e o padre falava em português.))

((Foto 2: Parece um flagra, principalmente pelo estilo da foto, mas pais puxando os filhos em trenós na neve é a coisa mais comum no inverno daqui. Imagina que aventura para essas crianças! Lembro muito vagamente do meu irmão me puxando num caminhãozinho e já achava o máximo!! Se bem que o trenó já deve estar banalizado entre os europeuzinhos, eles devem achar até meio boring...))

((Foto 3: Já na Mina de Sal. Antes de entrar tem que ficar tonto descendo milhões de degraus. Não sei o que é pior, isso ou o elevador que sobre igual uma lata de sardinha, todo mundo grudado em todo mundo, na volta))

((Foto 4: As fotos dentro da mina estão um horror. Esse aí é o Copérnico. Lá no templo da Kinga a luz tava boa, mas acredita que tinha que pagar quase três euros por FOTO TIRADA????? Fiquei passada com isso! Porque não estão vendendo uma foto para você, estão vendendo uma permissão. Mas se depois de pagar pode, qual é a diferença??? Eu ia até fazer uma roubatinha-foto (com a minha própria câmera, que ridículo), mas achei tão absurdo que desisti))

sábado, 16 de janeiro de 2010

WHO NEEDS MEN?



Eu deveria estar conhecendo o mundo lá fora, mas em vez disso estou aqui no albergue com um casal de meninos super preconceituosos. Sabe aqueles gays que não se misturam com mulheres? Eu percebi isso assim que desci para a recepção e vi um deles comprando a segunda garrafa de still water - enquanto eu já estava na minha segunda xícrinha de água da torneira. Lancei a polêmica da água potável, professei uma pequena teoria sobre as torneiras europeias e dei muita risada com o recepcionista, enquanto o garoto nem olhou pro lado.

O amigo/namorado dele chegou cinco minutos depois, já reclamando com o recepcionista sobre algo que eu não entendi direito. Sabia que ele queria se mudar para o meu quarto (de onde eu e um grego fedido fizemos o check-out hoje), mas não entendi o por quê. Então decidi prestar atenção. Diálogo entre os dois:

-I can't believe it, man!, ele disse, no seu melhor jeitinho cult/idiota, contrariado.
-Is it that bad?
-There are girls, it's enough.

Dá pra acreditar???

O pedido dele foi negado e o clima pesou um pouco aqui na recepção.

Bom, não vou me estender muito neste post, apesar de ter história boa suficiente para escrever um essay.

Vou misturar as histórias de anteontem e ontem à noite.

Anteontem, 14/01, quinta-feira.
Os primos Rodrigo e Tiago, que eu conheci em Praga (e por quem desenvolvi um grande apreço), decidiram ir pra balada hoje à noite (como sempre fazem). Eu cheguei na Cracóvia na quinta de manhã, mas só fui encontrar com eles umas 19h, sem querer, na porta do albergue. Eu voltava de um passeio (naquele em que comentei ter comido uma pasta gostosa acompanhada de um lambrusco tinto - ah, também comprei um sabonete da L'Occitane. Minha pele estava horrível e decidi que seria um dinheiro bem gasto: 30 slots). Eles estavam de saída para comprar a Wyborowa, meio-culpada pelo que aconteceu mais tarde (a outra metade da "culpa" é minha mesmo).

Bom, acho que serei obrigada a apresentar aqui o Fernando, que também estava hospedado no albergue. Natural de Porto Alegre, estudante de medicina, tem jeito de malandro e algumas meninas podem até considerá-lo bonito - principalmente as polonesas, que piraram em todos eles -, mas eu não acho. Depois do esquenta, em que misturei a vodka com quentão, acho que meu conceito de beleza mudou um pouco.

Aconteceu que fomos os quatro para a balada mais famosa da cidade (vou pegar o nome com eles depois para publicar aqui, vai que você fica com vontade de ir pra Cracóvia, né?). Eu era a mais desanimada da turma - sempre tive uma preguiça infinita desse tipo de balada, onde gente que nunca se viu na vida dança músicas que nunca ouviu na vida fingindo que está confortável com aquela situação constragedora, até gastar metade do dinheiro que tem para fazer tudo isso De novo, agora sob o efeito de álcool - pra não ter que se lembrar daquela merda toda no dia seguinte.

Na porta da balada, eis que o segurança, o típico babaca que me faz sair do sério (e quem me conhece sabe bem que pouquíssimas coisas me fazem sair do sério) disse que a calça do Fernando era "inapropriada". Eu já lancei: "Então tá, vamos???" Mas os meninos ficaram insistindo com o cara, que muito deseducadamente os ignorou. Então eu não me aguentei e disse: "What would be, in your opinion, a proper trouser?" Ele apontou para o jeans de segunda que ele próprio vestia. E eu: "hoho. This?" Ele: "Yeah. Don't you think?". Naquele ponto, já tinha entendido a brincadeira de quem-consegue-ser-mais-sarcástico-em-um-diálogo-curto: "I think our concepts are way too diferent".

Silêncio. Minha mãe costuma falar até hoje que eu sempre quero ter a última palavra em qualquer discussão. Durante toda a minha vida, neguei a acusação veementemente.

Ontem, tive que assumir: teria argumentos suficientes para responder até o final se ele continuasse. O ambiente ficou tenso mas, mesmo assim, os meninos resolveram ficar. Eu e o Fernando, então, saímos em direção a outra balada - eu não queria ir, mas também sabia que o Fernando queria sair e não queria estragar a noite dele (porque eu sou idiota, né?). Fomos para uma outra balada, Diva (sempre tem uma balada que se chama Diva em qualquer parte do mundo, é impressionante!). Preciso dizer que foi uma experiência cultural bacana. Parecia que entrávamos em um set de um filme underground selvagem, com polonesas dançando incrivelmente empolgadas, até demais na minha opinião. Aqui, elas abordam os meninos (aqueles que elas nunca viram na vida), pulam em cima deles com as duas pernas entrelaçadas nas deles, tipo montadas mesmo, sabe? Não dá para acreditar. Juro que levei um tempo para me recuperar do choque.

Fomos beber uma cerveja local no bar da balada. A pint é enorme e até que tava gostosa. Wyborowa + cerveja polonesa + quentão = suficiente para nos fazer levantar e nos juntar àquela polonesada toda. Um estranho fantasiado de padre veio falar comigo, apesar do Fernando ali do meu lado. Eu levei um puta susto. Do nada, o cara começou a gritar na minha orelha o que, na hora, me pareceu algo do tipo: "Não é assim que se dança aqui!!!!! Você tem que pular nos meninos igual a elas e bater o cabelo com mais força! MAAAAAAAAAAAIS!!!!!". Mas na hora eu desconfiei que poderia não ser isso o que ele tentou me dizer. "Sorry, I can't understand you, I'm afraid". Muito rapidamente, ele traduziu: "No problem, baby. I said: do you wanna get rid of your sins tonight?". Claro que eu não tive outra alternativa a não ser cair na gargalhada. Sério. Entretenimento dos bons.

Depois disso, o Fernando (que dançava comigo de um jeito normal até aí) perdeu a noção completamente e me beijou. Não vou me estender muito sobre a polêmica do comportamento dos homens brasileiros para com as mulheres. O beijo não foi nada ruim, mas preciso dizer que fiquei muito, muitíssimo irritada, mas me esforcei para não transparecer. Então, falei: "Vamos sair daqui?" E ele respondeu um pronto "vamos!", do tipo: "claro, para que perder tempo na balada se você tem um quarto só para você no albergue???" Eu desisti de responder qualquer coisa.

No albergue, ele entrou no meu quarto e não queria mais sair. Fui grossa, repeti mil vezes que queria dormir sozinha e ele mandou um "te acalma, só quero deitar contigo!", naquele sotaque que eu comecei a abominar. Ele deitou. Eu sentei. Será possível uma coisa dessas? "Olha, não quero ser chata, mas gostaria bastante que você saísse agora". Ele começou a me perguntar "por quê? Mas não tá bom?" Minha última alternativa foi falar que tenho namorado (dá para acreditar que precisei fazer isso? Não minto assim para fugir de alguém desde a adolescência). Sabe o que ele respondeu?

-Então o que tá fazendo aqui comigo? (ainda aquele sotaque)

-O QUÊ???

Nossa, virei uma onça. Fiquei mais brava do que tinha ficado com o polonês das calças baratas na balada. E comecei a gritar muito, foi hilário!

-EU COM VOCÊ? FAZ UMA HORA QUE TO TENTANDO ME LIVRAR DE VOCÊ E VOCÊ NÃO VAI EMBORA!!!!

-A reação dele foi engraçada, foi se encolhendo todo e finalmenete disse um "tá", baixinho. "O cara que vai vir amanhã é o teu namorado?", ele insistiu em continuar.

O cara que viria "ämanhã" é o Rulian, assim com "R" mesmo. Eu comentei neste blog sobre ele, o brasileiro que demorei pra pareceber que era brasileiro e que, fofo, me ajudou quando eu estava perdida às 7h da manhã na estação de trem da Cracóvia. Até me levou ao meu albergue e esperou que eu fizesse o check-in!

-Claro que não.

Ele foi embora, deixou a chave do quarto comigo. Algumas horas depois, acordei e, por uns cinco segundos, não conseguia lembrar por que eu dormia de calça jeans e um monte de jaquetas e ainda tinha as lentes nos olhos. Mexi minha mão esquerda que, fechada, ainda segurava a chave firmemente. Lembrei de tudo e fiquei muito irritada, muito mesmo.

Já sei que a maneira com a qual os homens brasileiros (a maioria) tratam as mulheres numa abordagem simples pode ser polêmica. Me lembro de comentar com o Fernando, meu irmão, sobre o Antoine, poucos dias depois de ficar com ele, lá no Brasil, dois anos atrás. Estávamos comendo os dois sentados na mesa da sala e eu, que contava apaixonada como acabara de conhecer o francês, lhe disse que os europeus eram muitíssimo mais gentis que os brasileiros (isso porque eu nunca tinha sequer viajado pra Europa). O Fernando ficou puto, muito mesmo, e defendeu a classe masculina brasileira. Ele tinha razão. O Antoine era só mais um charlatão e, afinal, a classe de filhos da puta é internacional, não é mesmo? Com os anos, percebi que o Fernando tinha mesmo razão. Mas agora, depois de tanto tempo sem ficar com um brasileiro, vejo que não é bem assim.

O Alastair foi para o Brasil e voltou dizendo que o jeito com que os brasileiros conversam com as mulheres é "crazy". "Eu tento imaginar tratar uma menina desse jeito aqui... Chegar falando que ela é a mais linda e tentar beijá-la!" E a gente riu um monte juntos. "Credo, é um horror mesmo", foi a minha resposta. Pena que não dá pra traduzir a expressão "uó" para o inglês.

Tá aí, mais um motivo, além da reforma ortográfica, para eu não voltar ao Brasil no dia 8 de fevereiro.

Ontem, 15/01, sexta-feira.
O dia foi pesado em Auschwitz e meus olhos ainda estavam até um pouco inchados pelas lágrimas que eu tentei segurar em vão.

((vou escrever um post só sobre Aushwitz e a dor dos outros no meu caminho para Viena, hoje à noite.))

Na volta, acompanhei os meninos, Rodrigo, Tiago e Rulian, que acabaou virando amigo deles, para a estação de trem, na tentativa de comprar o meu bilhete (vou pegar o mesmo trem que eles, só que hoje à noite, e encontrá-los no albergue Wonbats, ou algo assim, preciso fazer a reserva.

Voltei, sabia que o Fernando estaria por aqui e já tinha todo um discurso de fuga preparado na minha cabeça. Mas para entrar no albergue, eu precisava digitar uma senha de quatro digitos que me escaparam da memória. Fiquei tentando várias combinações diferentes entre 3, 1, 9 e 7, fiz um N fatorial mental, mas não rolou.

De repente, comecei a prestar atenção na música que tocava nos fundos. Fui atraída por ela, abri uma portinha camuflada pelo grafite da perede. Abri, entrei. O bar, bem alternativozinho, é exatamente o tipo de lugar em que consigo me sentir muito bem. E tava rolando uma noite Karaoke!! Cheguei, sentei em um banquinho e fiquei cantando junto com os poloneses! Um deles me chamou para sentar com eles. Fui pegar uma cerveja antes. Eu não sabia, mas aquela era a mesa dos amigos do Dj! Eles me trataram muito bem e instantaneamente eu virei melhor amiga de uma menina muito gente boa que estava com eles. O Dj era fã de Sepultura e me perguntou se essa palavra tinha algum significado em português. Eu expliquei que é o lugar onde enterram os mortos, tá certo, né??? haha

Quando falei que era brasileira, foi uma festa. Me perguntaram até se no Brasil tínhamos rei!!!! Diversão garantida!

Decidi dedicar a minha noite, que estava sendo MUITO LEGAL, à Carla, e às várias noites MUITO LEGAIS que ela já me proporcionou em Dublin! Adivinha o que cantei, Carla???

We can work it out!! Pois é.

Depois de beber mais e fumar cigarros do Dj, decidi cantar mais uma: With or without you. Engraçado o jeito que o Dj me apresentava pra galera: "jhkjhsadkjhskjdhjdkhddhajbrazilianjcjkgakjsc". Só entendia a minha nacionalidade em algum lugar no meio da frase, daí me tocava que era a minha vez! Assim que a música começou, uma galera entrou no bar e todo mundo começou a cantar comigo! Foi tão legal!

Já passava da 1h e a noite, programada para ser tranquila, foi mais uma vez muito louca. E, para terminar com chave de ouro, um polonês decidiu dedicar a próxima música à Silvia e ao Max! Já sabem qual, né?

Lambada!

Choooooorando se foi... Aí não aguentei, né? Larguei as minhas coisas e fiquei dançando lá no meio, ao som do sotaque puxado do polonês cantando em português, com a galera que levantou para dançar junto!!

Viu só?
Quem precisa de homens???

((FOTO 1: Parede do corredor do albregue que eu, sem lembrar da senha, não conseguia alcançar. (depois a barwoman veio comigo até a porta e apertou um só botão. A porta abriu na mesma hora, que verognha!))

((Foto 2: Corredor do albergue com a portinha do bar REAKTYWACJA, o melhor da Cracóvia!!!!))