sexta-feira, 1 de março de 2013

Ao nosso redor

          A segurança dos prédios


Uma sensação de tensão tomou conta do meu corpo depois da sessão de O Som ao Redor: em frente ao Conjunto Nacional, uma banca de revistas me serviu de refúgio quando desconfiei da moradora de rua que vinha em minha direção, gritando. O filme de Kleber Mendonça Filho faz o espectador sentir medo da própria sombra, e também da dinâmica social brasileira. Por isso, gostaria que esse fosse um post colaborativo – para que os leitores acrescentassem ao texto também as reflexões e conclusões a que chegaram depois de assistir a esse filme que traduz tão bem o Brasil do presente. Começo com minhas considerações, relatadas aqui depois das conversas com a Isa e a Dé, que me acompanharam no cinema, e com o Ivan, que sentou comigo para refletir sobre o assunto (mais uma vez).


                                           ***

A cena de abertura mostra crianças, adolescentes e empregadas no andar térreo de um prédio. Enjaulados, este é o lugar onde todos podem brincar com “segurança”. É nisso que os condomínios residenciais de classe média (todas elas) se transformaram: refúgio de quem prefere se esconder a se misturar, perpetuando a dinâmica da diferenciação de classes – “eu sou melhor do que você, por isso posso me proteger aqui dentro enquanto você passa frio e fome do lado de fora, seja você (e eu) quem for”. Em segundo plano, um operário solda novas grades no prédio ao fundo, que provavelmente irão compor outras prisões seguras.

Entre garrafas vazias e cinzeiros cheios, João (o herdeiro) acorda na sala de seu apartamento ao lado de Sofia. Ambos estão nus e são acordados pela chegada da empregada – há anos na família  que nesse dia levou duas crianças, suas netas, para o trabalho. O jovem patrão corre de mãos dadas com a nova amiga para o quarto, tentando em vão evitar que eles tenham as bundas vistas. Há privacidade possível no mundo brasileiro de patrões e domésticas?

João é corretor de seguros e aparece em uma cena tentando vender um apartamento de um dos prédios da família. A interessada está acompanhada da filha e, após “apreciar” a vista entupida de prédios, pergunta se pode ganhar um desconto, já que recentemente uma menina se suicidou ali. Sua cliente diz sentir uma “energia ruim” no lugar. Assim como todo bom brasileiro, ela tem algum pressentimento/sensação energética sobre o que aconteceu, mas um desconto amigo poderia desanuviar o ambiente.

Bia é a mãe da família que de longe parece perfeita: casada com um homem aparentemente bem-sucedido, ela tem dois filhos adolescentes bonitos e saudáveis que fazem aulas particulares de inglês e chinês (afinal eles serão competidores no futuro), e mora em um bairro de classe média do Recife. No entanto, não suporta a própria vida, a ponto de transformar o cachorro do vizinho em principal inimigo – ela não aguenta ouvir seus latidos, mas parece que, na verdade, o problema é outro: ver a vida passar trancafiada em seu apartamento. O alívio vem com a ‘massa’ encomendada de um falso entregador de filtros d’água, que ela fuma em uma cena poética, em que um aspirador de pó é seu cúmplice. Suas crises, aliás, têm como únicas testemunhas os eletrodomésticos: ela é atacada pela vizinha que inveja sua vida miserável quando recebe em casa uma TV de tela plana com muitas polegadas e se apoia na máquina de lavar durante a centrifugação para se masturbar.

Numa tarde, João se depara com o marido de sua empregada deitado em seu sofá. Por todo o filme, a sensação é de que o herdeiro do latifundiário dono daquele bairro é um dos poucos que ainda guardam alguma consciência sobre as injustiças sociais veladas e descaradas que acontecem diariamente à sua volta. Mas a reação dele diante daquele trabalhador negro estirado confortavelmente em sua sala não engana – João pergunta se o homem sabia o que o avô dele costumava fazer com os empregados preguiçosos, no que ele próprio responde: “meu avô os chacoalhava assim, ó”, pegando-o pelos ombros e dando-lhe um chacoalhão. Fica então claro que também João se encaixa perfeitamente na dinâmica da herança escravocrata que o Brasil gosta de guardar.

A reunião de condomínio que acontece no andar térreo do prédio de João é um clássico da classe média brasileira. A principal discussão em pauta: demitir ou não um porteiro que há mais de uma década trabalha ali, sob o argumento de que ele já não estaria cumprindo suas tarefas como deveria. Surge então um adolescente também morador do prédio em questão com seu laptop moderno exibindo um vídeo que mostra o porteiro dormindo durante o expediente. Por seu esforço em delatar o trabalhador, o menino é premiado com elogios. João mostra ao espectador sensibilidade em relação ao caso, e sugere que não o demitam por justa causa; desse modo, ele não deixaria o lugar para onde dedicou parte da vida com uma mão na frente e outra atrás. Mas logo depois de opinar, João abandona a reunião antes mesmo da eleição que decidiria sobre o futuro do Zé. Foda-se.

Na cena final do filme, todos os herdeiros do latifundiário dono do bairro se reúnem no salão de festas do prédio onde vive o patriarca para celebrar o aniversário de uma menina, membro da família. Aglomerados na sala, entoam juntos uma canção que, parece, é tradição entre eles. Estão claramente entediados: cantam como se percorressem o caminho da morte – o que mais tarde se revela verdade, supondo que o avô, prestes a ser assassinado, é o símbolo que representa aquela família. Ninguém ali suporta tal tradição, nem mesmo o latifundiário que criou a própria dinâmica familiar, fato que ele confessa na sala de seu apartamento aos seguranças que o convidam para ter com ele uma conversa particular. Ninguém suporta cantar, mas todos cantam. Ninguém suporta a própria vida, mas seguem vivendo. Como mortos-vivos.


         A segurança dos presídios





quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Não meta a colher

Fazia algum tempo, a tela do Word estava em branco no meu computador. No dia 5 de novembro de 2012, eu esperava, sozinha em casa, um sinal dos céus para que conseguisse, finalmente, começar a escrever uma reportagem sobre violência psicológica entre casais, que eu deveria entregar em algumas horas. O dia ensolarado e sem vento passava devagar, como se nada estivesse acontecendo no prédio, no bairro, em nenhum lugar da cidade. Eu mudei o computador de lugar, da sala pro quintal, em busca de inspiração. Aquela enrolação toda já começava a me dar sono quando eu ouvi o primeiro grito.

-VOCÊ É UMA VAGABUNDA QUE NÃO TÁ NEM AÍ. SÓ QUER SABER DELA (assim, caixa alta).

Prendi a respiração por uns dez segundos. Por susto, mas confesso que foi principalmente a curiosidade sobre a vida alheia que me fez ficar estática, como se de repente eu tivesse me tornado uma testemunha que ninguém pudesse ver no local do crime. Eu não estava na casa da vizinha, de onde vinha o barulho, mas é a vizinha do lado, e os gritos eram claros como se ela morasse aqui dentro.

Desde que me mudei pra esse apê, ouço a mulher gritar com a filha de uns 8 anos, a mãe dela gritar com ela e o cachorro gritar com todo mundo. Eu sempre tento entrar em casa do jeito mais suave possível, porque o cachorro também grita quando ouve o barulho da minha chave na fechadura, e aí alguém grita com ele, etc. Então comentei alguma coisa com o Ivan um dia, que me contou que a tal mulher mora com a mãe e a filha dela e sempre aparece com um cara novo que vem morar aqui com elas. Quando ele me contou isso, confesso que achei estranho. Uma mulher com uma filha pequena que traz os caras com quem namora pra morar com elas e a sogra? Uma mulher que ouve insultos como "vagabunda" e continua permitindo que o cara divida o mesmo teto com ela? Estranho.

-VOCÊ TÁ FALANDO DA MINHA FILHA? O QUE VOCÊ TÁ FALANDO DA MINHA FILHA, SEU FILHO DA PUTA

Sim, os gritos continuaram. Enquanto ouvia, eu sentia tremer meus dedos. Estava angustiada e ansiosa, e cada vez mais curiosa. Queria saber o que estava acontecendo, por que eles estavam brigando, como seria o desfecho da briga. Quando eu dei por mim, estava em pé em frente a porta da sala, lendo o jornal com um olho enquanto o outro esperava qualquer movimentação. Sim, eu estava à espreita, a três centímetros do olho mágico.

-EU VOU EMBORA DAQUI, OLHA QUE EU VOU EMBORA (imagina double caps lock)

"Ele já vai tarde", pensei. E juro que tive vontade de sair de casa naquela hora. Sabe, pegar a sacola ecológica do mercado e fazer a fina que não ouviu nada? Mas eu nunca faria isso, claro, porque já sei que situações de risco me dão crise de riso e, no limite, ataques de gargalhada (quem conhece sabe que é alta) e até incontinência urinária (sim, faço xixi nas calças quando não consigo parar de rir). Então, levando em conta essa possibilidade, eu resolvi continuar atrás da porta, como se estivesse usando roupas camufladas de exército esperando o inimigo escondida na moita.

-EU QUERO QUE VOCÊ VÁ EMBORA! VAI, VAI.

Ela tirou as palavras - os gritos - da minha boca. A cena que se seguiu foi mais rápida: em menos de cinco segundos, eu, parada atrás da porta, curiosíssima, dei um passo pra trás quando ele, furioso, saiu batendo a porta com uma força de vendaval.

"Preciso de um copo de água" e "Isso é melhor do que a cena de ação do filme mais foda" passaram pela minha cabeça na hora.

Era como se, com a briga dos vizinhos, todas as entrevistas que eu fiz - todas as conversas emocionantes com meninas que foram enganadas e machucadas verbalmente por seus companheiros - tivessem virado realidade por um instante. E a adrenalina que substituiu o marasmo intelectual parecia uma solução involuntária instantânea. Mas eu estava nervosa demais pra escrever. Depois que ele saiu, ela continuou berrando e chorando, e eu fiquei completamente aflita, me senti desamparada. A ponto de ligar pra Isa, que por coincidência estava almoçando perto de casa e topou me acompanhar no meu almoço. O Ivan também quis ir.

Na mesa da Merça, a gente conversou sobre várias coisas da vida, e a Isa falou sobre como ela achava raro  ver um casal feliz de verdade que nem a gente, ou que a gente era o casal mais feliz que ela conhecia, ou alguma coisa assim. Normal, porque a Isa é sempre exagerada! Mas nessa hora eu quis falar alguma coisa, dar um contraponto, sei lá. Eu sentia que não era real, mas não consegui falar nada.

Acho que até comentei com a Isa sobre a briga dos vizinhos, mas depois esqueci dela, e tentei focar no meu texto, que não saía. Voltamos do almoço às 16h, e nada de inspiração (eu levo a sério demais esse negócio de inspiração, que preguiça). Quase 17h e o Ivan, em seu primeiro dia de férias, disse que precisava fazer sei lá o que no jornal. "Vai lá, vai lá." Na hora não estranhei o fato de que ele estava de férias e estava indo pro trabalho.

Fiquei em casa sozinha, relendo os relatos de mulheres que tinham sido traídas, xingadas, humilhadas, etc. 

Cinco horas depois, o Ivan voltou e eu não tinha nem começado o lide. Que inferno. Então recusei o convite pra tomar uma cerveja com os amigos dele e fiquei em casa, sofrendo sozinha sem conseguir escrever e pensando em todas aquelas brigas. "Por que as mulheres que passam por esse tipo de coisa não conseguem sair dessa situação? É tão óbvio que essas relações são destrutivas! E por que raios esses homens não vão viver as vidas deles tranquilamente, sem ter que enganar e nem xingar ninguém de gorda e vagabunda? Get a life!". Eu ficava pensando em como eu não poderia retratar essas meninas como vítimas, porque elas, de alguma maneira, queriam viver aquela situação. Um pouco como a nossa vizinha, que vive aos berros com o namorado dela, mas fora de casa eles estão sempre de mãos dadas com a menininha, filha dela, na melhor imagem da família feliz. "Por quê? Por quê? Por quê???????"

Decidi avisar o Ivan que não ia no bar. Pensar tanto não tinha me feito bem e eu comecei a me sentir febril. Tomei um resfenol (que eu nem sei se é pra isso mesmo) e fui deitar. 

-O QUE É ISSO, SEU FILHO DA PUTA, SEU NOJENTO?????? VAI TOMAR NO MEIO DO SEU CU, SEU CANALHA DE MERDA, COVARDE, NOJENTO. 

Duas horas depois, mais gritos. Gritos, GRITOS. Mas, dessa vez, eles vinham de dentro do meu quarto.



 . 





quarta-feira, 20 de junho de 2012

Você é feliz?


Estava ontem mesmo em uma mesa de bar comentando que uma das maiores crises da minha vida (são várias, claro) já não é mais tão grande assim. Quando comecei o meu primeiro estágio, aos 19 anos, eu olhava ao meu redor, via pessoas exercendo o mesmo cargo dentro da mesma empresa fazia pelo menos uns cinco anos, e aquilo me desesperava. Eu achava medíocre, não entendia como alguém conseguia manter-se equilibrado vivendo uma rotina sem grandes novidades, convivendo com os mesmos chefes de sempre, com as mesmas broncas de sempre, e falando mal das mesmas pessoas de sempre.
As minhas crises eram sérias e, aos 21, já beiravam o desespero. Depois de três anos, eu percebi que tinha acontecido comigo aquilo que eu mais desprezava na vida: batia cartão de manhã, carregava uma bandeja na hora do almoço e esperava o fretado à noite. Foi quando pedi demissão pela primeira vez, logo depois de sentir vontade real de me jogar pela janela da empresa. Resolvi me isolar desse mundo onde eu tinha me metido e viajar por dois anos, fazendo dinheiro sozinha.
Hoje, seis anos depois, sinto que consegui lidar melhor com a velocidade das informações e com o tamanho da janela da vida alheia. São tantas possibilidades que nos chegam via facebook, twitter e blogs que, para mim, a minha vida sempre seguia um caminho menos interessante do que o potencial que parecia ter. A sensação era a de que todo mundo estava vivendo, menos eu. De tão grande, essa paranoia alcançou de forma natural a minha vida afetiva, e me fazia achar que eu sempre poderia estar com alguém mais interessante – o que o sociólogo polonês Zygmunt Bauman explica bem em seu “Amor Líquido”.
Depois de dois anos com um ritmo bem menos frenético e dependendo mais da força física para viver (na Europa, a bike foi meio de transporte, que eu usava para chegar no restaurante onde trabalhava como garçonete e às casas de gente que queria aprender português, quando dava aulas). Eu deixei de lado o computador e a vida alheia por um bom tempo e consegui ficar mais calma, focar mais em mim.
Por isso, quando assisti a All Work All Play, da empresa de pesquisa Box 1824, entendi duas coisas: sim, somos o que queremos ser e, não, não existe aquela plenitude, em que quem gosta de escalar passa a vida escalando, ou quem gosta de pintar consegue viver disso tranquilamente, e atuar é simples e fácil, basta querer. Não. Independentemente da geração em questão, o nosso sistema capitalista exige de nós um protocolo: cartão de débito e crédito na carteira, contas pagas no fim do mês e, finalmente, a fonte do dinheiro que vai nos possibilitar viver e nos divertir, como sugere o vídeo. Assim funciona para quem não é herdeiro nesse mundo: temos que trabalhar.
Nem preciso dizer que acho injusta a pergunta que abre e fecha o tal vídeo: “O que você está fazendo agora? É algo que realmente ama?” É como se quem faz parte dessa geração tivesse todas as possibilidades do mundo, e se não faz o que quer, é porque não quer. Então depois de ver que todo mundo está feliz da vida – pelo menos virtualmente – todos os dias, ainda somos pressionados para alcançar a tal da felicidade plena? Essa nós só vamos enxergar quando entendermos que a vida não é feita de plenitude, mas de altos e baixos.
Antes de assistir ao vídeo, eu estava lendo a entrevista que a atriz Mariana Lima deu nas páginas vermelhas da revista TPM no ano passado, e a opinião dela sobre os altos e baixos em um casamento - muito cabível, pra mim - pode perfeitamente servir de metáfora para a vida. Eis o trecho da entrevista que me interessa aqui:

Você continua apaixonada depois de 12 anos de casamento? 
Não. Mas tenho surtos de paixão. Tem uma hora que fica só "amorzinho", papaizinho, mamãezinha. Depois fica ruim, e cada um fica num canto. Aí fica bom de novo. Loucamente bom, sexualmente bom. E começa tudo de novo... 

Me parece que a vida obedece o mesmo ciclo. Ontem à noite, no bar, comentei que estava conseguindo me livrar das crises de achar que tenho que ser sempre melhor. Parece que finalmente consegui levar uma vida mais aliviada, um dia de cada vez. E aí hoje eu assisto a um vídeo que vem me dizer o contrário: “por que você não está lá fora, fazendo o que realmente quer?” (E o que eu realmente quero? Quem é esse locutor pra me dizer implicitamente que eu tenho que SABER o que eu quero?).

Essa empresa de pesquisa está divulgando o que todos sabemos: hoje em dia há mais possibilidades e mais facilidades, graças a deus não é mais um bom sinal passar 20 anos trabalhando no mesmo lugar, e podemos muito bem ter nossos talentos reconhecidos independentemente da idade – e trabalhar de igual pra igual, e muito harmoniosamente, com quem tem mais experiência de vida, ou até abrir nosso próprio negócio cedo. Eu mesma penso direto nisso. Me sinto livre, sim, e isso é legal. Agora, aumentar a ilusão de que “você” leva uma vida de obrigações enquanto poderia sair por aí saltando de paraquedas é um pouco desleal. E o cara que editou as imagens desse vídeo? É feliz? Não acho justo fazer uma pergunta dessas.
Sabe aqueles desenhos das donas de casa felizes do pós guerra? (tipo esse aí de cima?) Aquilo era propaganda. Era propaganda da vida perfeita, que deveria ser levada, uma promoção daquela conjuntura. Fazendo esse paralelo, All Work All Play me parece mais do mesmo.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Mergulha, Angélique!




Primeiro, me senti a própria Camille: ela sabe que encontrou o homem da vida dela, mas fica questionando o coração o tempo todo. Depois, a Angélique me fez ver que, na verdade, eu preciso começar a fazer parte de um grupo tipo o Émotifs Anonymes; é tanto medo que os sentimentos às vezes ficam presos na garganta, sem entender que precisam (e podem) sair de mim.

Dos dois filmes, eu saí chorando. Depois de ver Adeus, Primeiro Amor (Mia Hansen-Love), confesso que eu senti uma angústia que nem sabia de onde vinha: as lágrimas que corriam no meu rosto eram de tristeza, mas eu não estava triste. Chorei porque entendi que a Camille (a linda Lola Créton) se forçou a dizer adeus a seu primeiro amor. E daí que quatro anos se passaram, que a menina amadureceu e que vive com o homem que a fez finalmente sentir-se mulher? E daí tudo isso se ela ainda fugiria com aquele moleque, mesmo depois de tanto tempo?

Hoje, quando terminou a sessão de Românticos Anônimos (Jean-Pierre Améris), eu também chorei, mas de felicidade (chorar de felicidade no cinema = Émotifs Anonymes urgente pra mim!). E depois de relacionar os dois filmes, que, tirando o fato de serem franceses, não têm nenhuma ligação à primeira vista, entendi que tinha ficado triste à toa.

Em Adeus, Primeiro Amor, Camille, ainda adolescente, é deixada pelo namorado que ama, e só depois de quatro anos longe dele consegue se apaixonar de novo. Ela se envolve com um homem mais velho, por quem sente um amor maduro, mas ainda precisa dar o último adeus ao menino que cortou seu coração. Românticos Anônimos é mais leve: conta com graça a história de Angélique (Isabelle Carré), uma mulher tímida que cria chocolates, mas acaba contratada como represente de vendas em uma fábrica (de chocolates!), tamanha dificuldade que tem em se expressar. Ela se envolve quase que por acaso com o novo chefe, que é ainda mais 'émotif'. Os dois têm medo de tudo - e é justamente a semelhança que assusta Angélique: como a união deles poderia um dia dar certo? Não são os opostos que se atraem? Há dois meses, eu percebi que não exatamente...

Fiquei triste à toa quando chorei no fim de Adeus, Primeiro Amor porque não entendi, de primeira, que a Camille não quer deixar o primeiro amor ir embora do coração dela por puro medo. Ou não seria mais fácil encarar um relacionamento com um moleque que ela (acha que) já conhece, e com quem sempre vai se sentir à vontade, com aquela leveza de adolescente, do que enfrentar o desconhecido em uma relação madura, que joga na cara dela o tempo todo que ela cresceu?

Foto 1: não precisa ter medo, Angélique,

Foto2: e não precisa chorar, Camille;

Foto 3: tá tudo bem.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

E precisa ser normal?


Nem eu entendi por que fui tão sincera numa conversa de mesa de bar, um negócio que poderia ter sido qualquer coisa de romântico, profundo, maior... Mas a infusão de cachaça naquela noite em Salvador me deixou à vontade, como nunca antes com um cara, pra compartilhar uma angústia tão minha.

Hoje, faxinando a casa de bonecas (onde vivo atualmente), encontrei no meio de um monte de cadernos e apostilas velhas um texto, escrito à mão, com uma parte de um diálogo entre Clementine e Joel, de Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, que eu nem me lembrava mais de ter anotado - é da época em que ler roteiros de filmes famosos era hobby, já faz um tempo que não faço isso.

Relendo o trecho, eu percebi que a angústia que sinto há algum tempo e que compartilhei no bar do Pelourinho está ligada ao modo como eu - e também a Clementine - penso sobre a vida...

CLEMENTINE:
My goal, Joel, is to just let it flow through me, do you know what I mean? It's like... There's all these emotions and ideas and they come quick and they change and they leave and they come back in a different form and I think we're all taught we should be consistent. Y' know? You love someone - that's it. Forever. You choose to do something with your life - that's it, that's what you do. It's a sign of maturity to stick with that and see things through. And my feeling is that is how you die, because you stop listening to what is true, and what is true is constantly changing. You know?

Eu disse pra ele que acho que eu nunca vou ser de uma pessoa só.

sábado, 27 de novembro de 2010

É o que parece?




Sabe aquela cena de novela tosca em que a mulher abre uma porta misteriosa e pãm! Lá está o marido com outra? "Meu bem, não é o que parece!". O que é então? O que não parece?

Claro que a questão fica ainda mais nebulosa quando não há o flagrante.

Na quarta-feira, eu conheci um senhor de uns 75 anos, com a cara daquele vovô que tem muita história pra contar, fofo, que soube viver a vida, em uma pousada no alto de um morro do Guaraú, na Juréia, Peruíbe. E naquele momento ele era, para mim, um vovô de 75 anos com muita história pra contar, fofo, que soube viver a vida.

Quando nos conhecemos, eu estava prestes a desmaiar, já com os ouvidos tapados, a pressão bem baixa - nada que eu tenha comentado com o dono da pousada, que eu estava entrevistando, e que me apresentou ao velhinho.

Mal me cumprimentou, o vovô perguntou se eu já tinha terminado o que fazia lá, que precisava conversar comigo e que então me esperaria lá fora. Nos outros cinco minutos dentro da recepção da pousada não consegui pensar em nada além da conversa que teria com o velhinho, que se hospeda ali há anos para buscar inspiração e escrever. Ele é oftalmologista, fez o primeiro transplante de catarata do Brasil, phD em Toronto em não sei o que e autor de 14 livros.

Apressada, fui até a mesa em que o vovô me esperava. Ele pediu para que eu me sentasse ao seu lado, de frente para o mar. Me mostrou um de seus livros. Eu já sabia que ele era médium. Li na capa de um dos que estavam na mesa da recepção o subtítulo 'inspirado pelo espírito X'.

Em dois minutos, estava nova. De verdade. A falta de ar passou e eu não me sentia mais fraca. Apesar de ser um pouco tarde, eu ainda pretendia pegar a estrada de terra esburacada que leva à Barra do Una, a praia mais bonita da Juréia. Um casal de senhores donos de um boteco na frente da praia do Guaraú já havia me desanconselhado a fazer a viagem, mas eu não levei a sugestão de deixá-la para o dia seguinte a sério. Então, conheço Woyne Figner e ele me faz ficar sentada por um pouco mais de uma hora - e eu resolvo deixar Barra do Una pro dia seguinte.

Esse conjunto de acontecimentos me fez pensar três coisas: que Woyne havia me energizado e curado subitamente, que ele esticou a conversa de propósito para que escurecesse antes de eu colocar o pé na estrada - o que teria me feito escapar da morte, uhu! - e que não era por acaso que eu o havia conhecido ali - e, por isso, o levaria aonde ele quisesse ir comigo.

De repente, meu irmão me ligou. A conversa foi ordinária, ele perguntou se tudo estava bem. Depois, se tudo estava bem mesmo. Eu disse que sim, que o único problema era a solidão, mas que a isso eu me havia acostumado. Woyne estava do meu lado, ainda naquela mesa, de frente pro mar.

Desliguei. O velhinho então disse que a solidão não seria mais problema pra mim, que me acompanharia, a partir daquele momento, por onde eu fosse pelo Guia Quatro Rodas.

Primeira parada: jantar no restaurante mais caro da cidade. Ele já estava meu íntimo, colocava a mão sobre meu ombro como se eu fosse outra velhinha, sua mulher, talvez. Aquilo me incomodou, mas logo passou. Então, ele começou a falar repetidamente que me adorava, que a gente combinava muito, que eu era demais.

Estranho.

Já era tarde, e ele decidiu dormir na minha pousada em vez de subir o morro àquela hora para chegar à dele. Ok.

De manhã, ouço o velho batendo na minha janela, às 8h em ponto. "É aí que dormiu a repórter mais linda do Brasil?" Quis sair e dar uma voadora no peito dele, mas não achei muito conveniente.

Tomamos café juntos e eu fui ao trabalho, ele ficou escrevendo. Voltei depois de três horas; ele estava no mesmo lugar, agora com óculos escuros, escrevendo no caderninho que, me havia dito, usava para "redigir quando ouvia". Eu entrei na sala e senti uma energia absurda, foi como se algo tivesse tomado conta de mim. "Você é muito sensível, né?"

Medo?

Como eu estava diante de alguém com espiritalidade muito desenvolvida (e este assunto me interessa bastante), resolvi deixar a malice dele de lado e tentar aproveitar a amizade de um senhor de 75 anos, que certamente seria muito interessante. O que vivemos depois dava pra roteiro de um daqueles filmes fofos, em que uma garota legal (!) adota um velhinho solitário como amigo e eles ensinam muito um ao outro! Ai, que lindo!

Ele foi comigo até a praia do Caramborê, percorrendo uma estrada toda esburacada e enlameada - o carro quase atolou duas vezes -, fez uma trilha defícil, em mata fechada, até a praia da Desertinha (que ele teima em chamar de Escondidinha, para minha irritação profunda) e, no dia seguinte, pegou carona comigo, pela Régis, até São Paulo, onde quase morremos esmagados por vários caminhões, segundo as estatísticas dele.

Até agora não entendi por que ele quis vir para São Paulo comigo, já que tinha mais 15 dias de pousada pagos no Guaraú. Ele disse que tinha um casamento - mas por que não foi com o próprio carro? Eu cheguei a pensar que ele me protegia.

No último almoço, ele chamou o Figueiredo de mestre (no que eu perguntei, assustada, "o general????"). Depois, começou a falar em "revolução" quando se referia à ditadura (fato que eu demorei a entender... Por um instante, achei que ele se referisse à Revolução de 32). Falou na família como instituição e, já no carro, na volta, muito estressado pelo que as estatísticas dele apontavam como morte certa pra nós ("esse carro pequeno, você alta míope, chuva, noite e pista simples. Isso é alto risco, menina, isso é um absurdo, esse trabalho não é pra você, VOCÊ NÃO VAI MAIS FAZER ISSO"). Pois é, o velho começou a gritar na minha orelha, queria que eu parasse de qualquer maneira no primeiro posto, queria interromper a vigem, dormir em algum lugar.

(((Ok, fiz uma pequena omissão. No caminho para a Praia do Caramborê, o velho foi me contando as experiências sexuais dele, pelas quais, não vou negar, me interessei bastante. Falou de sexo como energia, como a coisa mais importante da vida. Falou de como aprendeu sobre o sexo tântrico com amigos indianos enquanto viveu no exterior. Falou em orgasmos de seis horas. Nesse momento, confesso que fiquei interessada/com medo (já que a qualquer comentário que ele fazia encostava a mão na minha perna - e falou sobre as "características férteis do meu corpo". Medo 2.)))

De volta à estrada:
Ele gritou: "Para aqui, menina!!! Tem um posto aqui". Eu, que como ele disse, sou míope alta, fiz que não vi a entrada. Segui. Ele continuou o sermão reacionário sobre a família e disse, do nada, elevando a voz (jutro por Deus!): E TE DIGO MAIS: É UM ABSURDO, UM A-B-S-U-R-D-O, QUE VOCÊ NÃO MORE COM SEUS PAIS. VOCÊ É SOLTEIRA, DEVERIA ESTAR NA CASA DELES. E, do nada, ele repetia: "Você vai ser minha amiga, né? Você é minha amiga do peito". Medo 3.

Não tinha o que fazer, eu seguia pela estrada da morte que nem diabo foge da cruz, mas aquele filho da puta não ia sumir do meu lado nem se eu fosse a 200 por hora.

E eu não dizia nada. Só pensava: "Deus, me ajuda a chegar em paz e me livre deste reacionário maluco que cruzou meu caminho". É, de repente, virei católica ultra-praticante.

Para distraí-lo e fazê-lo parar de gritar, eu fingi que tinha dúvidas sobre miopia - cheguei a perguntar o que aconteceria se eu tivesse filhos com alguém com oito graus de miopia, por exemplo. Ele disse que seria bem provável que eles tivessem pelo menos 15 graus. E me perguntou por quê. Eu disse que gostava de um menino que tinha oito graus de miopia. Então ele começou a falar que não é com o coração que tenho que escolher um marido, mas com a razão, já que ele possivelmente me abandonaria se eu não pensasse exclusivamente em mim. Eu comecei a discutir com o velho, falei das qualidades do tal menino. Ele disse: "fique esperta que mais cedo ou mais tarde ele cai fora", com essas palavras.

Chegamos, nos despedimos com um abraço que ele forçou e eu nunca fiquei tão aliviada, sã e salva em casa, com a sensação de que tudo não havia passado de sonho. E, para desmentir toda a teoria dele, cortei o cabelo, comprei um pó básico, arrumei todo o meu quarto... E o menino não apareceu. Fiquei com mais raiva ainda daquele velho maldito. Ele deve ter sentido as minhas vibrações (!!).

A partir daí, na minha cabeça, o menino não queria me atender porque já existia outra mulher (de novo). Até o lugar onde eles se conheceram eu já havia traçado. Mesmo depois de conversar com ele, de ouvir tudo, as palavras do velho não me saíam da cabeça. Do mesmo jeito que, quando conheci o Woyne, decidi que aquele médium seria o meu guia espiritual. E ponto final.

Mas, de repente, o espírito que me livraria de todos os males e me elevaria a alma virou um carma; e o menino, que estava dormindo quando tocou o celular, ainda não tinha outra. Ufa.

((Foto 1: Trilha que leva da Praia do Caramborê até a Desertinha, na Juréia, Peruíbe))

((Foto 2: Praia da Desertinha, depois de 45 minutos em mata fechada))

((Foto 3: Eu e o vovô-médium no início da trilha, na volta para a Praia do Caramborê, com a simpática Brisa, cadela de um caseiro que vive ali, e nos acompanhou))

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

A fuga das magrelas


Ela fica, o tempo todo, ali na garagem,
encostada na vaga de algum carro desconhecido,
que a protege mesmo sem saber de quem é.

Eu fico, na maior parte do tempo, no meu quarto,
deitada na minha cama nova, queen size,
que mal chegou e já me fez uma refém qualquer.

Às vezes, a gente precisa se encontrar.
Eu tenho que fugir do conforto; ela se sente sufocar.

Durante o resgate, ela deixa o portão de ferro da garagem:
aí, já não sei mais quem queria sair correndo
(e quem estava enferrujada)
não me lembro quem foi abandonada
e a quem (quem) tinha que salvar.

Porque, quando estamos juntas, só corro

Corro, socorro, corro
Rec: recorro, corro, morro
Volto, mando, grito
Corre!
(ela tenta)
Corr, corrrrrrrrrr
Corre!
Corrrr, corrrrrrrrrrr
(a corrente arrebenta)
Paro, inalo, desvio
Ela volta,
Corre, socorre, recorre, escorre
Corr, corrr
Corre, corr, cor(ói).

Socorro
Só corre

Corre!

Ela obedece, sai correndo e eu seguro firme.
Eu obedeço, saio correndo e ela segura em mim

O vento bate forte, depois mais forte, passa por dentro e vai embora.
Pronto, tudo volta ao normal.