segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Sem classe






Pensei em deixar Budapeste para outro post.

Não que a viagem não tenha sido demais. Mas a volta a Dublin foi tão surpreendente que, por incrível que possa parecer, ofuscou um pouco a minha última parada. Talvez porque a minha vontade de rever as meninas e a cidadezinha que me recebeu tão bem foi tanta que eu quase não consegui me concentrar na leitura do meu super guia da Europa central (ou dos mapas da cidade que eu teimava em perder).

Comecei então a escrever o que seria um relato breve sobre Buda e, claro, acabei me alongando. A volta a Dublin fica para amanhã.

***

Depois das duas horas dormindo no sofá do albergue de Viena (e do grito "it's already passed 5 minutes", do recepcionista fofo que me ajudou a acordar) cheguei às 6h45 na plataforma 11 de Westbahnhof, o que foi para mim quase um recorde de pontualidade (o trem saía às 6h50)! E, apesar de curtas, eu ainda contava com as três horas de viagem até Budapeste para completar a minha média de cinco horas de sono diárias.

"Can I take any seat?", foi a primeira coisa que eu perguntei para o primeiro funcionário do trem que eu vi, por causa do meu trauma anterior de me meter em vagões com destinos obscuros e porque eu queria logo largar todas as minhas tralhas no primeiro lugar que eu visse - já não aguentava mais segurar uma bolsa de mão lotada e duas sacolas plásticas cheias de lixo que eu não tinha nem coragem de jogar fora, além do mochilão.

Ele disse que sim.

Entrei no primeiro vagão que vi pela frente e adorei as poltronas de couro super confortáveis dispostas em pares. "Os trens europeus são mesmo uma caixinha de surpresa", pensei, inocente. Espaçosa (o trem estava vazio!), já joguei tudo em duas de uma vez. Passei dez minutos arrumando as malas, colocando tudo no lugar, sentando, levantando, me ajeitando para encontrar uma posição em que poderia dormir pelas próximas horas. De repente, uma aeromoça (para trens) surgiu do nada e distribuiu um suquinho e um pacote de salgadinho para cada passageiro.

Tudo bem, não posso negar que nesse ponto já desconfiava que eu não pertecia àquele vagão, especialmente depois de prestar atenção aos senhores meus vizinhos de viagem com seus respectivos ternos e notebooks, nada que ver com mochilões e sacolas plásticas cheias de lixo. Por isso, quando recebi o suquinho (que não hesitei em beber de uma vez só), achei que aquela pudesse ser a classe errada. Mas lembrei do que o funcionário que falou ("yes, any seat") e dei uma de armless john*. Fiquei lá mesmo.

De longe, vi o mesmo funcionário anteriormente abordado recolhendo os bilhetes dos passageiros. Eu, já confortável entre toda aquela gente trabalhando incansavelmente (até pensei em abrir o meu humilde netbook para me sentir ainda mais 'in'), mostrei o meu ticket sem medo.

"This is not your class."

Quê???????

Meu mundo caiu. Depois de tudo! De me familiarizar com o vagão e meus vizinhos passageiros, depois de tomar o suquinho e tudo mais, eu teria que me mudar?????? Meu deus, quanta humilhação!!!

Depois de uns cinco minutos arrumando tudo de novo, recolhendo todas os chocolates, livros e a pantufa que já estavam do lado de fora da mala, finalmente fui embora, me sentindo o Chaves sendo expulso da vila (sabe, com a trouxinha no ombro??)

Tudo bem, dei até tchauzinho para um dos meus então-ex-companheiros de viagem e segui pelo corredor em direção às classes mais baixas.

No vagão seguinte, as poltronas estreitas dispostas de três em três me fizeram crer que aquele sim era o meu lugar. Então, ainda com o salgadinho da primeira classe na mão (isso é o que eu chamaria de roubatinha involuntária), de novo espalhei minhas malas por todos os lados, peguei o que seria necessário para o meu sono e, enfim, comecei a me ajeitar para dormir (apesar dos raios do sol nascente que começavam a refletir no chão coberto de neve e ofuscar a minha visão).

De novo, o inspetor.

"Sorry, but this is still not your place", ele me disse, num tom envergonhado.

Eu comecei a rir e disse a única coisa que caberia para aquele momento: "REALLY???" Ele também deu uma risadinha - e eu comecei a ficar irritada de verdade, afinal de contas, não estava escrito em lugar nenhum nos vagões que classe era aquela e, anyway, ele não tinha me dito lá na plataforma que eu poderia sentar em "any seat"?? Puta que o pariu.

Fingindo não estar irritada e sem nem tempo de pensar no drama da humilhação e tudo o mais, já automaticamente coloquei tudo pra dentro da mala de qualquer jeito e andei, andei, andei até chegar em um vagão com uns paquis, mulheres com panos variados enrolados na cabeça e crianças chorando. Afinal, encontrei o meu lugar!

Toda essa brincadeira levou um pouco mais de uma hora e, no fim das contas, a contabilidade ficou em meia hora de sono.

Tudo bem, eu vou pra Budapesteeeee!!!! (eu tentava afirmar isso pra mim mesma, para tentar esquecer que na verdade estava exausta e daria qualquer coisa por uma boa noite - ou dia - de sono em QUALQUER LUGAR)

Cheguei na estação principal de Budapeste enjoada e perdida, muito perdida. De novo, não tinha reserva em nenhum albergue. Ali mesmo já começaram a ficar claras algumas diferenças entre Budapeste e as outras cidades visitadas (Berlim, Viena, Praga e até Cracóvia). Vários senhores e senhoras um pouco desdentados abordando TODOS os passageiros que chegavam para que trocássemos os nossos euros nos "escritórios" deles. Claro que achei tudo aquilo meio esquisito e fui direto para o ponto de informações turísticas, onde as coisas não foram menos estranhas, apesar da dica de uma casa de câmbio com boa cotação para trocar o que sobrou do meu orçamento para essa viagem.

Eu perguntei para a mulher como eu fazia para chegar em um albergue indicado no meu super guia de Europa central e ela disse: "Olha, não é longe, mas se você quiser ficar no Marco Polo, onde a noite custa dez euros, eu mesma posso fazer uma reseva para você e uma van vem te buscar aqui na porta". Se eu não estivesse tão cansada, talvez desconfiaria de alguma mutreta.

Sem pensar duas vezes, respondi: "that's great! Deal". Em uma fração de segundos, o motorista da tal van chegou e, de repente, me vi andando atrás dele, acompanhada de um alemão mal-encarado.

No caminho, silêncio total. O limite imposto pelo idioma me fez sentir confortável com toda aquela mudez (geralmente quando eu entro em um táxi ou qualquer coisa assim, começo a falar sem parar, mesmo quando não estou tão afim).

Tudo deu certo e mais uma vez resisti, num esforço absurdo, à minha caminha já preparada naquele quarto fedido do albergue - afinal só teria aquele e metade do dia seguinte para Budapeste.

Na recepção, perguntei à mocinha qual seria uma boa maneira de conhecer a cidade em um dia. Ela me indicou o famigerado ônibus hop on/hop off e eu, que sempre fui totalmente contra esse específico tipo de transporte turístico, achei que aquele talvez fosse um bom momento para me livrar do velho preconceito. Passei a mentira da estudante que perdeu a carteirinha e consegui disconto no bilhete (eu até fiz uma carteirinha de estudante trambiqueira na pizza hut antes de viajar, ainda no Brasil, mas me roubaram em Londres e acho que ela já nem teria mais validade mesmo).

Sem pressa, fui almoçar num pequenino e aconchegante restaurante húngaro barato e, depois de um PF enorme com uma montanha de arroz e peixe com molho de queijo (estranho, né? Achei que só eu colocava queijo no salmão), saí andando pra qualquer lado. Dei de cara com a Sinagoga, de longe a mais linda que eu já vi na minha vida - e olha que eu não entrei (àquela altura 2.500 florins já faziam grande diferença pra mim).

De novo, saí andando em qualquer direção e cheguei no Mercadão da cidade (que eu nem sabia que existia). O passeio foi muito legal, adoro barracas coloridas de frutas e peixes fedorentos. Lá, comprei uma rolha decorada com uma bonequinha húngara que vinha com uma pimenta para afastar o mau olhado, pra Silvia, e um par de bananas pra mim.

Atravessei o Danúbio pela ponte Szabadság e cheguei em Buda (estava no lado Peste). Antes mesmo de sair da ponte, comecei a fotografar um prédio lindo na esquina. Turista mais perdida do universo, entrei lá e perguntei o que era aquilo (estava escrito hotel e spa do lado de fora). "Esse é o spa mais antigo da Europa", me disse uma fonte não tão confiável, um senhor que queria me vender cartões postais com fotos de piscinas cobertas de alto nível. Depois de uns dois minutos eu me toquei que eu estava Géllert Baths, um dos dois lugares famosos onde se pode tomar banhos em águas termais - e onde eu ironicamente estava mais ansiosa para chegar.

No meio de tanta empolgação ("Ahhhh, que delícia! Vou encerrar minha viagem com chave de ouro, relaxada num banho turco... Ahhhh, que vidão!!") eu lembrei de algo que na hora me pareceu só um detalhe: eu não tinha biquini. Como ia pensar em trazer um biquini para uma viagem de temperatura negativas??? Esqueci até o meu cartão de crédito!!! Por favor!

Lá dentro, os biquinis custavam 40 euros pra cima (o preço ficava ainda mais assustador em florins) e todos eram simplesmente UÓ, nem a minha vó usaria algo tão enorme. Afe Maria. Pensei em nadar com as minhas roupas de baixo, mas não achei conveniente.

Saí triste, mas otimista. Teria um dia inteiro de andanças para achar um biquini que me servisse. Atravessei a rua e dei de frente para uma caverna onde, um pouco receosa, entrei. Nos fundos, uma igrejinha. Achei fenomenal. Rezei, agradeci, paguei os pecados e saí.

Segui no sentido norte, peguei um funicular e subi até Castle Hill. Fiquei louca com aquela arquitetura e fiquei um tempão na gótica Mathias Church. Depois continuei passeando por ali, mas já era noite eu não tinha noção de como fazer para ir embora. De repente, vi um grupo de japoneses (aqueles que sempr andam em grupos enormes e que eu nunca tinha notado antes de o Rodrigo me falar) entrando no ônibus 16. Achei que aquele também pudesse servir pra mim e entrei (sem bilhete, porque não tinha noção de onde comprava). Cheguei sã e salva ao albergue e acho que não levei nem um minutos para pegar no sono.

No dia seguinte, acordei cedo para uma outra voltinha a pé, dessa vez por Peste: Museu Nacional, basílica de Szt. István, Chain Bridge, a mais antiga da cidade, e Parlamento, nessa ordem. Ainda deu tempo pra comprar uma bota linda, marrom e sem salto (já nem estava mais pensando no biquini ou nas águas termais, ficou para a próxima), pegar o dinheiro gasto para a entrada no busão hop on/hop off de volta (não foi nada pessoal, mas mesmo cansada achei que sair andando sem rumo seria mais legal), pegar minhas malas e uma van até o aeroporto para, finalmente, voltar para Dublin.

*Gíria de origem irlandesa datada do século 18, rapidamente aportuguesada para o clássico "joão sem braço" pelos brasileiros que, já naquela época, iam fazer dinheiro vendendo Guiness nos pubs de Dublin. A expressão tornou-se muito popular no Brasil dada a quantidade de brasileiros que viveram/vivem dando uma de migué na Irlanda.

((FOTO 1: A Assembleia Nacional da Hungria se reune no prédio mais antigo da Hungria. O Országház é o segundo maior parlamento da Europa))

((FOTO 2: A St. Stephen Basilica é tão alta quanto o Parlamento e a construção neoclássica levou 54 anos para ser finalizada - o colapso da cúpula, em 1868, atrasou os trabalhos))

((FOTO 3: A Széchenyi (Chain Bridge) é a ponte mais velha sobre o Danúbio. E certamente a mais bonita. A foto noturna foi tirada de cima de Castle Hill))

((FOTO 4: A caverna que virou igrejinha de pedra))

((FOTO 5: Segundo a Wikipedia, essa é a maior e mais monumental sinagoga da Europa. A fachada tem uma coisa meio árabe porque foi construída em estilo neomourisco (que imitava arte islâmica). Só não entrei pra ter que rolar a "próxima vez". Quem topa voltar comigo?))

FIM DA MINHA VIAGEM.

3 comentários:

  1. ahhhhhhhhhhhhh :(
    e pensar que vai também ser o fim do blog... é muito triste isso, ju, muito triste... (limpando lagriminhas aqui)

    ResponderExcluir
  2. Não deixe o blog morrer, não deixe o blog acabar!

    ResponderExcluir
  3. Fim da minha viagem? Aaaaaahhhhhh. Que puxa!

    ResponderExcluir