domingo, 10 de janeiro de 2010

50 anos em 5 (ou uma vida em um dia) *Aviso importante: a leitura deste post demandará tempo






Em vez de escrever no fim do dia, antes de ir dormir, como tenho feito desde o início deste blog, ontem eu escrevi antes sair com os meus “novos amigos”. Não consegui esperar para contar o quão surreal foi encontrar o Guilherme do nada numa estação de trem em Berlim – e sozinha do jeito que eu estou (ainda mais incomunicável depois que acabaram meus créditos no celular), o blog é minha única opção para desabafar.

Se ontem a sensação de ansiedade para escrever alcançou um nível que pode ser considerado alto, só depois de ler o post até o fim alguém poderá entender por que esse nível triplicou hoje e inclusive me fez ligar o computador no meio do caminho da minha viagem de trem Berlim-Praga para salvar um rascunho da história no Word (que estou fazendo nesse momento, ou seja, em três horas devo chegar em Praga).

Preciso colocar tudo para fora. Gostaria de gritar, mas talvez possam me achar louca...
***
Já estava tudo esquematizado: jantar, depois bar e finalmente balada. Velha e chata que virei, avisei ainda no albergue que não sabia se sairia ou não depois de comer (ou seja, não sabia se eles eram malas ou não).

Todo mundo esfomeado, sem muita grana e em busca de um lugar legal para jantar: eu, claro, indiquei o Asia Bistro. Toparam na hora. Depois de tantas refeições sozinha lá, acho que o chinês/alemão ficou até contente de me ver com meus “novos amigos” (eles terão nomes fictícios aqui por motivos de força maior – e memória curta).

Fomos eu, as canadenses de Montreal Lia e Léia e uma amiga delas, a francesa Jour e, claro, o austríaco Boris (esse nome é o único real). A Lia é do tipo meio legal-meio mala. A Léia é mais para legal, mas de tão lesada precisa de muito esforço para manter a lógica na própria linha de raciocínio qualquer que seja o assunto.

A comida demorou o suficiente para que elas descobrissem que eu sou brasileira – como prova do meu isolamento social, nem disso elas sabiam ainda, apesar dos quatro dias em que moramos no mesmo quarto. A Léia começou a falar algumas palavras em português (de Portugal), como amor, e eu logo perguntei “Where’s he from?”. Na hora, a Lia disse, meio contrariada: “why ‘he’?”. Silêncio. Reformulei a pergunta: “Where’s this person from?”. Enfim... Achei legal o esforço das quatro meninas para falar só em inglês (como as canadenses são de Montreal, elas todas falam francês).

(Experimentei um prato novo! Em vez de frango, arroz branco e vegetais banhados em molhos diferentes, escolhi arroz frito, frango e ovo. Uma de-lí-ci-a! As meninas pediram até entrada! Todo mundo provou o prato de todo mundo.)

No final, finalmente consegui ir além de hey, tschau e danke no meu contato com os chineses, que sempre me trataram muito bem. Uma vez mais, o Boris me foi útil: traduziu tudo o que eu falei: que era brasileira, que aquela era a minha última noite em Berlim e que gostei muito do restaurante - tanto que o indicaria para os meus amigos (Silvia e Gustavo) quando eles fossem para Berlim. Eles agradeceram muito e o momento da despedida foi quase emocionante!!!

JU, LIDE! (Isso é o que a Ju Faria me diria nesse momento)

Calma, tá chegando.

Os “novos amigos” não se mostraram de todo malas e eu, sem esquecer da minha vontade de me embebedar (decidi que vou fazer isso pelo menos uma vez em cada cidade), fui com eles até o Primitif, um bar/baladinha muito legal e bem parecido com o Soul Club de Barcelona. O set do Dj combinava com o outfit – terno com gravatinha fina um pouco curta e chapéu para discotecar músicas dos anos 60 e versões retrôs para algumas atuais, como Wonderwall (eu gostei muito, mas será que a Carla aprovaria?). Os frequentadores também pareciam vir dos anos 60 – óculos Rayban de grau, saias e rabo de cavalo super altos para as meninas e chapéus de diferentes modelos para os meninos.

Sem me encaixar em nenhuma descrição acima, aí vai a minha própria (ou Eu, o ET): cara lavada, bochechas vermelhas (virou rotina), cabelo oleoso (porque a miniatura de xampu – assim, em português, que eu comprei para viajar de avião é para cabelos altamente danificados e deixa o meu uma pasta), termal vest por baixo de uma camiseta larga e os mesmos casacos desde o dia 28 de dezembro.

Mesmo assim, achei tudo o máximo e me acabei de dançar com a Jour, uma francesinha fofa que foi para Berlim cortar cabelos. Ela não sabia quem era François Truffaut, disse não ser muito fã de cinema, mas foi prontamente perdoada, porque ela é muito gente boa mesmo.

Assim que a gente chegou tomei uma taça de vinho tinto (um balde, na verdade). A Jour disse que o Bordeaux que ela pediu estava uma delícia e resolvi pagar 3,50 por um também. Até aí, sobriedade total, a gente ainda se importava com a qualidade/idade do vinho.

Dançamos mais.

1h30 da manhã.
Eu precisava sair do albergue hoje ao meio-dia e pensei em não beber mais. Mas, claro, o Boris não deixou e me trouxe outro Bordeaux. Ótimo. 3,50 a mais na carteira.

Dançamos MUITO mais e eu fui para o meu terceiro balde de vinho (pago por mim mesma).

Aí a gente (eu e a Jour) já tinha dominado a pistinha e o pessoal até aplaudiu a gente.

Suada, mais vermelha ainda e um pouco tonta, fui sozinha até o bar tomar um ar. Eu tava segurando um cigarro que a Jour me deu mas que eu não tinha como acender.

Aí vem o lide, Ju!

Depois de uns cinco minutos nessa posição (sentada e segurando um cigarro apagado), olhei para a minha direita e vi um sujeito alto, loiro e estiloso fumando do meu lado, a um banco de distância do meu. Quando eu virei, ele tava me olhando, no que eu aproveitei para pedir fogo.
-You have a lighter?
-Yeah.

Ele tirou do bolso uma caixinha de fósforo. Achei legal.
Acendi o meu cigarro, fiquei na minha.

Do nada, uma mulher chegou e perguntou se a gente tava junto, usando o banco vazio que estava no meio.

“No we’re not. It’s free”, eu respondi, mas que depressa.

Depois que ela pegou o banco, ele arrastou o dele para perto de mim.

-Sorry, but I have to ask... Where are you from?
-Brasil.
-No waaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaay!!!!!
Todo mundo tem uma reação meio exagerada quando eu digo de onde sou, mas nunca foi tanto assim.
-Wow! Why? Have you been there?
(Eu nem preciso perguntar se ele é alemão. De Leipzig)
-É que eu falo um pouquinho de português.

Juro que foi o ponto alto da noite. O primeiro alemão que eu converso (sem ser para pedir informação) fala português num sotaque super gira de Portugal.

Aí pronto, né? Me animei, paguei mais um vinho para mim (qualquer um de 2,50 mesmo) e outra cerveja para ele.

De repente, a Jour veio me buscar, queria que eu dançasse a “música da vida” dela com ela. Eu pedi um momentinho (com sotaque português) e fui. Quase esqueci dele e me acabei de dançar de novo. Voltei, pedi desculpas, disse que a música era mesmo boa.

Conversamos um monte, ele me contou que tem 29 anos, é cardiologista, se mudou para trabalhar em um hospital de Berlim, que é capricórnio com ascendente em aquário (what, “by the way, makes him THAT nice”, segundo ele próprio), estudou um ano da faculdade em Portugal, mas isso foi há cinco anos e o português dele já é um pouco duvidável – isso ele não precisou me contar, e quando eu percebi que ele não entendia nada do que eu falava mudei pro inglês.

Perguntei o nome dele, Thomas, mas ele não perguntou o meu. Depois, chutou minha idade e acertou na mosca (20 estrelinhas de uma vez!). Quando quis saber como eu me chamava, fiz charme (“Too late”). Depois chamei ele para dançar e, surpresa!, apesar de ser mega alto com aquela super cara de Shumacher e de ter tudo para ser um perna de pau, ele me conduziu muito bem. Voltamos para o bar e eu fui tomar um ar lá fora, a -12 graus mesmo (àquela altura só com a camiseta). Ele foi junto, mas como bom médico me puxou rápido para dentro e me perguntou até quando eu iria ficar. Quando eu falei que na verdade amanhã (hoje) era meu último dia em Berlim ele disse que queria passar o dia inteiro comigo e me mostrar a cidade inteira. Eu disse que aquela seria uma tarefa difícil e listei os (vários) lugares por onde já tinha passado. Ele disse que eu não tinha visto nada.

Desencanei do albergue.

O café da manhã teve pão, queijo, presunto, laranja descascada e cortada em gomos, ovos semi cozidos, tomate picado e temperado, mel, leite e café.

De carro, a gente percorreu a cidade inteira (começando pelo albuergue, onde fiz o check out com uma hora de atraso e tive a sorte de encontrar os novos amigos (agora já sem aspas) para uma foto.

No caminho, ele me mostrando no mapa cada rua e contando um pouco da história de cada coisa. Eu não sabia, por exemplo, que os semáforos de pedestres típicos daqui (com bonequinhos de chapéu), foram causa de discussão política há vinte anos – eles pertenciam à sinalização do trânsito da Berlim oriental, mas porque eram mais legais (só por isso mesmo) muita gente da parte ocidental defendeu o símbolo com unhas e dentes até que ele foi eleito semáforo oficial.

Do nada, ele me perguntou:
-Have you ever droven with snow?

Na hora foi tão surreal que eu não entendi. Em português, respondi:
-Queeeeeee????????

-If you have droven in snow before...
E eu, claro, já gritando, né! (quase não gosto de dirigir...)
-NOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO, never! But I’d loooooove to!!!
Na mesma hora ele parou o carro e saiu. Foi muito para mim. A gente trocou de bancos e eu fiquei até um pouco insegura (e olha que se tem alguma coisa em que não sou insegura é dirigir). Tava tremendo por dentro, mas me saí bem na pista ultra escorregadia. Em vários momentos tive que dirigir a 30km/h por causa da neve, mas foi emocionante mesmo assim. Às vezes eu esquecia do limite e pisava, para o desespero dele.

Enquanto eu dirigia e gritava eufórica ao mesmo tempo, ele com aquele jeito todo alemão só ficava me olhando, sorrindo.

E, de repente, lá estava eu, no meio da Strasze 17.Juni, uma das avenidas mais importantes da cidade, que leva até o Brandenburger Tor. Quando vi o portão de longe, surtei na direção. Na hora da balisa, amarelei.

Sugeri a Starbucks da esquina privilegiada (ver segundo post), ele disse que nunca tinha ido. Sem lugar para sentar, o jeito foi sair de lá. É impressionante como os bancos públicos ficam inutilizados nesse frio. Eu tirei uma crosta gigante de neve de um deles e ficamos sentadinhos lá até ter todos os dedos dos pés congelados e não agüentar mais.

O passeio depois continuou com outras paradas para café e walking tour.

A Galeria de arte Tacheles (Oranienburger Str. – na mesma rua, bem pertinho, está a sinagoga mais famosa da cidade, que também vale a pena. Fica perto da TV Tower) é um dos lugares mais alternativos que eu já fui na minha vida. O prédio é um dos que foram totalmente abandonados pelo governo depois da queda do muro e então dominados por artistas de rua. Parece pequena e o cheiro de mijo e as pichações sobrepostas podem dar uma má impressão inicial, mas ‘vale a pena subir. Em casa apartamento” do prédio, tem exposições de diferentes artistas, tudo muito legal. Inclusive a maioria está lá trabalhando, o que torna o passeio ainda mais interessante.

Depois a gente foi para o que se parece com um bloco de prédios normal, mas onde dentro tem um monte de lojinhas bacanas, como a livraria Cult em que eu comprei um cartão postal com a foto do Reichstag detonado depois da guerra para o Fernando.

Por último fomos num dos lugares mais legais que eu já fui, na verdade. É um café meio restaurante (tem só sopa, mas é uma delícia e vc mesmo se serve) alternativo com um monte de sofás e gente lendo, um ambiente muito diferente. Tomamos nossas últimas taças de vinho (juntos, nessa vida pelo menos).

Ele me levou depois para estação Hauptbahnhof, carregando todas as minhas coisas, até a super bota especial para neve que a Silvia me deu de Natal (decidi que vou escrever essa informação em todos os posts). O meu trem atrasou uma hora e meia e ele ficou lá na plataforma comigo congelando até ele chegar. A gente ficou ouvindo música, dançando e cantando alto. Depois, eu falei:

-Make sure you won’t forget the name of the band, it’s Little Joy!! (porque quando eu tava bêbada ontem à noite, por alguma razão estranha comecei a falar da banda pra ele – e, não por acaso, Strokes foi a trilha sonora do café da manhã).

-Well, a think we can keep in touch for a while, right? (ele falou em tom de brincadeira, mas meio sério demais).

-Oh, yeah.

Eu sinceramente não tinha pensado nessa possibilidade.

((Foto 1: Eu dirigindo loucamente por Berlim)) 0490

((Foto 2: Pra quem quiser saber como são os semáforos around the world – repara no brasileiro, lá em cima)) 0505

((Foto 3: Eu na galeria Tacheles 0525))

((Foto 4: Novos amigos))0474

((Foto 5: Despedida)) 0531

6 comentários:

  1. Juuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu, que delícia ler seus textos e saber de você!!!

    SUR-RE-AL!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

    Saudade

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  2. juuuu, nossa! eu super falei: JU, LIDE na hora em que vocÊ disse que eu falaria. hahaha.

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  3. Muito maneeeeeerooooo!! As coisas menos esperadas as vezes sao as melhores!!

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  4. não é o melhor post porque tá tudo foda demais, bom demais, meeeesmo! mas é incliveland (lembra?)!!!!!!!!! delícia de noite/dia, ju, nossa!

    e "...(decidi que vou escrever essa informação em todos os posts)" sobre a über bota que a silvia te deu no natal... passei mal de rir!

    o blog tá matando a pau. eu sabia. e por mais que os posts sejam enormes, contrariando a lógica da internet, dá vontade de ler mais e mais e mais!

    beijos magrela!

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  5. E agora????? Vai para onde?????
    Amei a história!
    Beijo, Mari Alves

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  6. ui, é compriiiiiiiiiiiido, mas gostei. e keep in touch com o schumacher aí, colé!

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