domingo, 21 de fevereiro de 2010

"É muito Brasil!"





Se nem eu aguento mais me ouvir falando isso, fico imaginando como meus amigos ainda não desistiram de mim.

Amanhã completo duas semanas de Brasil. Não lembro quando foi a primeira vez em que me saiu essa expressão, mas isso muito provavelmente aconteceu ainda no Aeroporto de Guarulhos, minutos depois de aterrisar.

Esperei uma hora por minhas malas que nunca apareciam na esteira tosca que emperrava e insistia em jogar o que passava por cima dela nos que a rodeavam. Por exemplo, uma mala retangular marrom sempre caía quando passava por mim, era batata. Mesmo assim, eu nunca estava preparada o suficiente para empurrá-la antes que isso acontecesse. Sempre pisava no pé de uns dois para impedir o acidente com a bagagem alheia. Depois do meu quinto empurrão, da queda de duas malas na parte interna da esteira, de ver um rapazinho pulando lá no meio para resgatá-las e da temporária paralisação do maquinário, como é que eu, já toda derretida, me abanando com o passaporte, não soltaria um "É muito Brasil!"?

No primeiro dia, tomei suco de açaí e água de coco com meus pais (o que, by the way, também foi bem Brasil) e depois resolvi acompanhar meu irmão até o trabalho dele, no prédio do Tribunal de Justiça, Centrão. Eu: branca, muito branca, de vestidinho florido, e máquina fotográfica na mão. No caminho, passamos por uma rua evangélica, com dezenas de lojas de roupas e músicas de Deus. Tinha um boteco na esquina. O sol de 35 graus me deu a sensação de estar na praia (uma daquelas farofeiras, bem Brasil também). Depois arrastei a Bel para uma passadinha pela Catedral da Sé e, pasmem, filmei um sanfoneiro que tocava no meio do povão. Devia ser evangélico também (do lado dele, alguém espalhava a brasileira palavra de Deus).

Em casa, mal desfiz as malas e enchi uma mochila com toalha, biquini e vestidinhos, a viagem de Carnaval para Ilha do Mel já estava toda programada. Dois dias antes de pegar a estrada, uma barreira cai na Régis e interdita todas as pistas. (Nossa, sério, nem é isso que eu ia dizer que era muito Brasil, mas não é MUITO??). Os jornais aconselharam adiar a viagem, mas nós, brasileiros, não desistimos nunca, não era isso? Um dia antes de ir, meu pai, preocupado, me ligou: "Ju, você viu como tá a Régis, né? Então, faz o seguinte, vai pela Castelo Branco, lembra dela, né? Das viagens para Angatuba?" E eu: "claro, claro". "Então, lembra daquele trecho do postinho policial no quilômetro tal? Então, não vira ali, vai reto e hasdgKDHkjdhkjHJKAhsjkAH (foi assim que o resto da explicação dele soou para mim)". No dia seguinte, minha mãe me liga: "Oi, Ju! Em que estrada vocês estão, o papai quer saber aqui". Eu, cara de pau: "Errr... Na Régis".

A teimosia nos custou doze horas de viagem até a Ilha e uns bons momentos esticando as perrrnas fora do carro no meio do trânsito parado, o que rendeu a foto MUITO BRASIL aí de cima.

No meio do feriado, a tentativa de sair do nosso cativeiro longínquo (um quarto tipo forno muito brasil com paredes de madeira e várias baratas voadoras dando uns rasantes) para chegar até a balada caiçaríssima foi bem engraçada. Estávamos em dez amigos que, cansados do forninho, decidiram que a tempestade de raios e trovões não nos impediria de dançar um forrózinho bem Brasil. No caminho, a tempestade piorou, os raios estavam refletindo na pontinha dos nossos narizes e chegamos a dar as mãos, com medo do mar que estava ali do lado, no esquema morre-um-morre-todo-mundo. Brasileiro, né?

Na balada, um cara que batia na minha cintura, por volta de uns 45, cheio de dreads no cabelo se aproxima com o seguinte papinho (e aquele suor bem Brasil, né?):

-Tell me (téu mi)!
-Quêêêê????????????????????????? (juro!!!)
-Tell me what you want (téu mi uati iu uanti)!

Acreditam??????? Que sotaque mais Brasil!!! Eu saí correndo, sem maiores reflexões, entendi que o meu vestidinho verde de listrinhas azuis não combinava com o modelito muito Brasil calça colada e blusinha com barriga de fora das demais meninas. Mas, menos de meia hora depois, eu passava no meio de uma galera de caiçaras quando soltei um grito:

-BEEEEEEEL, TO AQUIIII!!!!! - Tá, o meu grito também foi bem Brasil... O que talvez tenha sido determinante para a reação instantânea do negão bonitão do meu lado: "Nossa, pensei que você fosse da gringa".

-Eu, da gringa????? Depois de todo aquele samba super Brasil lá da pista????????????
Ele tentou corrigir, mas não adiantou. No dia seguinte eu comprei um colar de sementes coloridas que já sei que nunca vou usar na vida, mas me senti um pouco mais Brasil.

Uma outra série de coisas engraçadas e muito Brasil aconteceram depois disso, mas eu percebi que as pessoas à minha volta não estavam curtindo muito o jargão e ultimamente eu tenho me policiado antes de colocar o nome do Brasil em vão. Mas ontem eu não consegui. Fui no Tubaína, bar novo (na verdade nem tanto, mas pra mim tudo o que não tem mais de dois anos é novinho em folha!) ali na Haddock Lobo, na altura da minha ex-rua, a Matias Aires. No cardápio, além, claro, de várias tubaínas (pedi a arco-íris de uva, delicinha) tinha coxinha de feijão. Tem coisa mais Brasil?

Ontem à noite, a Bel estava no carro de uma amiga na Brigadeiro quando as duas foram abordadas por um louco armado e, ameaçadas, tiveram que sair do carro para ele entrar. Hoje, no telefone, quando ela me acordou para contar o susto, eu, toda sonada, pensei: nossa, que merda, é muito Brasil isso também.

FOTO 1: Depois de fotografar os sanfoneiros, queria uma foto muito Brasil de mim também

FOTO 2: O fusquinha nem precisava estar atrás da gente para essa foto ser tão Brasil. Afinal, em que outro país se tem o privilégio de fazer novas amizades no meio de uma estrada federal???

FOTO 3: Eu em um barquinho bem Brasil, um pouco antes da travessia Ilha do Mel - Pontal do Sul

Foto 4: Adoro o Brasil.