segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Ela se foi... Acabou.



São 2h48 aqui em Praga e eu me sinto exausta.

Eu gostaria que essa sensação fosse só consequência das caminhadas por calçadas escorregadias cobertas por muita neve (muito mais que em Berlim). Só que na verdade eu to cansada de tanto chorar.

A crise, claro, já passou.

A explicação é muito simples e, ao mesmo tempo, complexa: eu terminei de ler o Diário de Anne Frank.

Quando chegou o Natal e eu não sabia o que dar de presente para o Matthew, pensei no livro, apesar de ainda não ter terminado a leitura. Além de todos os rabiscos e anotações da minha caneta bic, escrevi na primeira página que talvez ele pudesse me conhecer melhor lendo aquele diário, já que a gente não teria mais muito tempo juntos.

Fui passar o ano novo em Londres e aproveitei a oferta da livraria Foyles para comprar outro. Igualzinho, em muito melhor estado do que o antigo, que já estava todo esganiçado. E, durante vários momentos de solidão nessa viagem, a história da garotinha de 13 anos que todos achavam metida e respondona me fez companhia... Até agora.

***

Ontem cometi uma das maiores irresponsabilidades da minha vida - cheguei na estação central de Praga a 1h30 da manhã sem qualquer noção da cidade, sem ter lido nada sobre nada e, o pior, sem albergue reservado. Eu sei, às vezes confio demais na minha teoria de que tudo dá certo no final. Quando cheguei, sem ter noção do que diziam as placas informativas da estação, tudo estava completamente deserto, salvo por três homens que eu pensei em abordar para pedir ajuda, mas fui espantada pelo cheiro de álcool que veio forte quando eu me aproximei. Não fiquei com medo nem me desesperei.

Saí, mas a rua estava ainda mais deserta. Não tinha qualquer noção de onde eu estava. De repente eu vejo dois mocinhos sentados numa escadaria com mochilas grandes jogadas no chão. Como quem viu uma miragem, cheguei perto com o melhor dos meus sorrisos, sentindo uma alegria real, quando eu perguntei se eles falavam inglês. Disseram que sim. "I know it may sound weird, but do you know any hostals around here?" Um deles (bem bonitinho, aliás) tirou um papel do bolso. Era o recibo do albergue de onde eles acabaram de sair.

Muitíssimo agradecida, segui corajosa para a próxima missão: find a way to get there.

O ponto de táxi estava vazio e eu não sabia a que horas os bondes começariam a funcionar. Então saí no meio daquela nevasca, sozinha (juro, parecia que estava no meio de um filme romântico dos anos 20) e comecei a andar até encontrar um sinal de vida. Quando eu já tinha começado a gostar daquela sensação de aventura, DO NADA surgiu um táxi. Eu dei o endereço do albergue, chegamos lá bem rápido e ele me cobrou uma fortuna pela viagem (quantia que não publicarei aqui por tão absurda). Na hora eu fiquei puta, mas decidi não falar nada, não sei por quê. Talvez por estar muito feliz para discutir com alguém, muito feliz porque tudo finalmente tinha dado certo. Só pensei: "toma essa grana e vai limpar a bunda, seu tcheco escroto de merda". Mas decidi manter essa para mim mesma.

Entrei no albergue, e um playboyzinho metido da recepção disse que, naquela noite, havia uma cama livre só no quarto de quatro pessoas (mas caro que um de 12, para o qual já me mudei hoje!). Daí eu disse que não tinha problema e peguntei quanto seria. "250 crowns". E eu repeti: "250 POUNDS??????????????????" Não sei de onde tirei essa, acho que foi o cansaço, mas comecei a me imaginar na rua da amargura de novo. Ele repetiu: "250 CROWNS". Numa risada desesperada eu comentei: oh!!! Your currency! hahhahahahahahahah (desperation and relief feelings at a once!) I'm so sorry, I thought... Never mind". De qualquer maneira, eu não tinha nenhum centavo sequer da moeda deles, a coroa checa, Korun Ceskych. Nem nisso eu consegui pensar ontem, de tão desligada do mundo que eu fiquei. Assim como o taxista ladrão, o albergue também aceitou meus euros, algo comum por aqui.

Dormi muito bem numa cama confortável e quentinha no quarto 102.

De manhã, quando desci para o delicioso café da manhã (quase como se nenhuma loucura tivesse acontecido nas últimas 24 horas), levei a Anne comigo. Mas assim que perguntei para o barman se eu poderia comprar a ficha para o café ali mesmo ou se teria que ir à recepção, um menino me perguntou, em inglês, se eu não gostaria de comprar uma ficha dele, já que o primo estava numa ressaca forte e não iria comer. Claro que reconheci aquele sotaque. Aceitei a proposta em português.

Deixei a Anne de lado e passei o café da manhã inteiro (e olha que levei tempo para comer cereais com iogurte e banana, torrada com presunto e ovos mexidos, suco de laranja e depois repetir tudo!) conversando com o Rodrigo. Recém-formado administrador pela GV, 24 anos, engraçado e com um mau humor contagiante, ele ouviu algumas das minhas histórias pacientemente e contou algumas das dele. Depois de um tempão, ele bateu os olhos no meu livro, abandonado na mesa do lado.

-Você tá lendo o Diário?
-To... Falta bem pouco para acabar!
-Sério?? Eu também to lendo esse livro.

E, mais uma vez, as coisas aconteceram de um jeito estranho/legal. Saí do café feliz e deixei a Anne para trás. À noite, antes de sair para jantar (os meninos me levaram num chinês do lado do albergue, disseram que foram lá todos os dias. Outra coincidência?), percebi que ela não estava mais comigo. Juro que me bateu um desespero e mobilizei metade do staff do albergue. Nada do livro. Fiquei triste de veradade, quase me deu um nó na garganta.

"Você não tá no final? Pode ler o meu se quiser!"

Aceitei a sugesão do Rodrigo e acabei de terminar a leitura agora - por isso chorei tanto. Porque perdi a Anne. Depois de dois anos escondida, enjaulada, de ser descoberta e sobreviver seis meses no campo de concentração, ela não suportou ver a morte da irmã e morreu poucos dias depois, muito pouco antes do fim da guerra. Claro que eu já sabia o final. Mas foi tão dolorido, como se tivesse sido comigo mesma.

Eu sei que estou indo longe demais com esse paralelo, mas vou dar alguns exemplos:

No dia 6 de julho de 1944, uma quinta-feira, ela escreveu sobre como se decepcionou com o Peter, o menino por quem ela se apaixonou depois de mais de um ano escondida e que era uma das oito pessoas que moraram ali no Anexo Secreto por dois anos. Ele disse que era fraco e que continuaria assim porque assim "é mais fácil". Ela ficou triste e passou o dia tentando encontrar um argumento para que ele percebesse o contrário, mas chegou à conclusão de que, na verdade, ele teria que enxergar isso por si próprio. Ela queria transformar a vida dele, o caráter. Naquele momento, queria uma coisa só: fazê-lo faliz, apesar de já não estar mais apaixonada...

Eu, quando tinha 18 anos, me lembro de um dia ter tido a plena sensação de que poderia facilmente fazer qualquer homem feliz, transformar a vida de qualquer um de verdade. Me sentia tão feliz que queria dividir aquele sentimento com muito mais do que só uma pessoa. Tanto que todos os caras com quem eu estive até agora, sem exceção, disseram que ficaram contagiados pela minha alegria (ou sinônimos como positividade, alto-asral, etc...).

Mas depois eu percebi que eu, na real, tinha que encontrar alguém que me fizesse feliz também, o que durante os últimos anos me tem feito sentir mal por deixar para trás várias pessoas que eu sei que poderiam me amar/me amaram de verdade, sendo injustamente acusada de fria e calculista no fim das contas. O Thomas, por exemplo, me mandou um email tão fofo hoje que quase deu vontade de voltar mesmo para Berlim, mas eu sei que eu tenho que seguir em frente, em busca da minha própria felicidade. Até quando... Isso eu não sei, mas tenho a impressão de que a Anne teria feito o mesmo.

Yours, Ju.

A TEORIA:
"It's really a wonder that I haven't dropped all my ideals,
because they seem so absurd and impossible to carry out. Yet
people are really good at heart. I simply can't build up my
hopes on a foundation consisting of confusion, misery, and
death. I see the world gradually being turned into a wider-
ness, I hear the ever approaching thunder, which will destroy
us too, I can feel the sufferings of millions and yet, if I look up
into the heavens, I think that it will all come right, that this
cruelty too will end, and that peace and tranquility will re-
turn again".

(parace que ela também achava que tudo sempre daria certo no final. Um dia pode ser que a vida também me mostre o contrário, mas enquanto isso não acontece, vou aproveitar ao máximo tudo o que eu tenho hoje)

((Foto 1: Anne pensando que tudo dari certo no final, ainda sem saber o que estava para vir))

((Foto 2: Eu e o Rodrigo no Radost FX, indicação do Alastair, com um bailey's coffee e um czech coffee (feito com uma bebida alcoólica típica daqui que tem gosto de menta))

2 comentários:

  1. (eu encontraria o Thomas mais uma vez - em Berlim ou onde quer que fosse - antes de voltar pro Brasil).

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  2. Eu tambem!! Mas eu "nao conta"... Eu encontraria ateh uma mosca se ela fosse legal comigo, e acharia que nos casariamos e seriamos felizes para sempre!! Haha!

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