sábado, 9 de janeiro de 2010

Azeitona com salsicha




Acabei de chegar no albergue, ainda chocada.

O dia não acabou, vou manter a minha promessa de ontem e ficar bêbada hoje à noite, mas preciso escrever já, rápido, antes que meus "novos amigos" apareçam na salinha onde costumo me isolar.

Primeiro, vou contar como a minha barreira anti-convívio-em-sociedade foi forçadamente rompida hoje. Voltando do banho, eu entrei no quarto pé ante pé para não acordar o cara que dormia na cama ao lado. Sabe quando você anda assim meio receoso olhando diretamente nos olhos da pessoa que está dormindo, com medo de que ela possa acordar? Pois é, três passos e pronto! Foi automático. Ele despertou na hora e ainda soltou:

- Good morning!

Nããããããooooo!!! Deus, não!!!!! Sabia que não podia fazer contato visual...

-Hi, good morning.

A resposta foi seca, o que não intimidou o garoto:
-Sorry, do you know what time is it?
-20 past 12.
-God! It's late!
-Yeah.

Consegui cortar o diálogo. Mas ele seguiu:
- Sorry, do you have a charger for sony mobile phones?

Eu, como sempre perdida, tirei o celular do bolsa pra mostrar que o meu era, na real, um nokia.

-Oh, sorry! Mine's Nokia, see?
-Oh...

Bom, daí foi pra velha conversa sobre o tempo ("frio, né?"), sapatos molhados (o que, preciso ressaltar, não acontece que os meus, claro, por causa da super-power-bota-para-neve que a Silvia me deu de Natal), de onde eu sou, qual o meu nome, até chegar no temido "o que você vai fazer hoje?".

Vou explicar.
Não que eu seja um bicho-do-mato-anti-social. Pelo contrário, sempre fui extrovertida, do tipo idiota que não para de falar mesmo, sabe? Mas é um negócio que tá acontecendo aqui and I can't help... To numa viagem dentro de mim mesma, curtindo de verdade ficar sozinha, sabe? E o pior é que ao mesmo tempo que você se acostuma à solidão, se acostuma também com não ter ninguém para fazer planos diferentes dos seus ou simplesmente encher o saco. Faço as coisas no meu ritmo, acordo meio-dia todos os dias, como o que eu tenho vontade e vou aonde eu bem entendo.

Por isso foi um esforço quase sobrenatural chamar o moço para me acompanhar no meu passeio.

- Well, I still don't know exactly about my plans, I actually have nothing planned, but I think I'm going to the East Side Gallery now...

-Really?! I wanted to go there as well! (depois venho a descobrir que ele sequer sabia do que se tratava)

Daí ele me colocou na parede, né? Eu, educadamente, disse:

-Well, if you wanna join me...

Mas eu tinha certeza que a resposta seria negativa, porque ele tinha acabado de acordar e eu já tava pronta!!!

-Right, nice! Wait just 10 minutes and I'll be ready!

Na hora, pensei "puta, que merda!". Mas na real, enquanto eu esperava, achei que seria interessante ver como seria nossa interação, que eu poderia estar exagerando um pouco sobre essa coisa de querer fazer tudo sozinha e tudo isso.

**Momentos**

1) Assim que a gente saiu do albergue, ele me avisou que antes tinha que passar numa loja da Sony ali pertinho. Atravessamos aquele nevoeiro (pela primeira vez ventou forte aqui - ainda não bateu a Irlanda, mas a neve fina direto na cara quase machucou). Ficamos na tal loja uns dez minutos, até ele decidir o que queria. Tudo em alemão. Eu, completamente perdida, tentei fugir, mas não rolou.

2) Quando saímos, ele me perguntou se estava com fome, se queria almoçar. Ele é do tipo de pergunta tudo, em vez de decidir ele próprio, o tipo que eu não gosto. ((gente, acredita que eleACABOU de me achar na salinha pra falar que estão saindo? Eu disse que vou em dez)). Bom, a gente enfim foi numa padoca fofa, tomamos café e comemos pão de banana - também é novo para mim, eu perguntei para a garçonete se era típico, mas ela não soube dizer. Aliás, os alemães não sabem dizer muitas coisas. Bom, acho que era só típico da padaria mesmo. A conversa ficou meio profunda, ele começou a desabafar total, me contou o que estuda (tem 27 anos e ainda nunca trabalhou), que veio para encontrar um professor do futuro p.h.d, que quer ser direto de cinema, mas na verdade não sabe o que quer... ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh

Sério, já bastam minhas próprias crises, que eu tento guardar para mim - pelo menos quando acabo de conhecer alguém.

Comecei a me sentir sufocada e, de repente, os lábios dele começaram a mexer e eu não conseguia ouvir o que ele falava, perdida nos meus prórpios pensamentos: "que mala!"

3) Quando a gente chegou na East Side Gallery, a maior galeria de arte ao ar livre da Europa, com grafitti de vários artistas diferentes ao longo de 1,3 km do que restou do Muro de Berlim na Warschauer Str., eu já precisava ir de novo ao banheiro. Não sei se é o frio ou eu que to bebendo muita água. Mas como a gente tava no meio do nada, ele me perguntou se eu não podia aguentar. Mas se chegou no ponto de eu falar para ele que precisava ir ao banheiro, claro que não dava. Então ele começou a falar que eu deveria "disciplinar a minha bexiga". Nunca ouvi comentário pior.

O lado bom foi que ele tirou várias fotos minhas no muro! Não precise abordar ninguém dessa vez!!

Bom, East Side Gallery vista, voltamos para a estação Warschauer Str. e cada um foi para um lado - eu mais que depressa disse que tinha um monte de coisas para fazer e, além do mais, já tinha ido ao Checkpoint Charlie, onde ele queria ir. Perfeito. Eu tive que ir para heupb para finalmente comprar minha passagem pra Praga! (vou amanhã às 19h30!).

Depois disso (já era 16h30), fui correndo para um banco na Alexanderplatz onde eu sabia que tinha um western union. O motivo da pressa é que eu queria ir ao concerto de música clássica (Bach) na Catedral de Berlim - comprei o ingresso na minha visita ao lugar há quatro dias e tinha me esquecido completamente disso! Só que quando eu cheguei ao banco, depois de me arrastar pela nevasca até o outro lado da praça, estava fechado. E eu, claro, entrei em desespero! Pensei que certamente nenhum western union estaria aberto amanhã, domingo, que eu já comprei minha passagem para Praga mas agora a silvia já tinha me enviado toda a grana para Berlim! Céus!

Fui correndo para Ostbahnhof, onde um alemão me disse que eu encontraria um western uinion dentro da estação.

A história chocante começa agora. Reparem no timing:

Eu, louca de desespero, relaxei quando vi que a agência estava aberta. Esperei lá por uns quinze minutos até ser atendida - com uma pessoa só na minha frente, claro, um brasileiro.

Peguei o dinheiro, coloquei na bolsa.

Saí da loja, virei à esquerda. Pensei que ainda pudesse chegar a tempo na Catedral, que fica perto da Alexanderplatz. Na minha pressa, subi em direção a qualquer plataforma. Sem reconhecer nenhum dos palavrões na indicação dos destinos daqueles trens, desci correndo.

Voltei para onde estava antes e caminhei em direção a um senhor com a inscrição "Service" num colete laranja florescente. "Plataform 12", ele me disse. Mal agradeci e virei correndo.

- Guilherme!!!!!!

Foi tão emocionante que parecia até que eu estava encontrando um velho amigo que não via faz tempo. Mas o Guilherme é, na verdade, filho do meu professor de geografia da escola, amigo do meu irmão e o menino que me fez um dia, dez anos atrás, me esconder no banheiro da minha própria casa porque meu coração tava batendo um pouco mais rápido que o normal.

Enfim, foi uma das coincidências mais extraordinárias de toda a minha viagem (a que estou fazendo há um ano e oito meses).

Ontem, a Clarissa Yokomizo, outra amiga do meu irmão, que eu também não vejo há anos, me mandou um email super legal, dizendo que leu o blog e se identificou. Ela também foi se aventurar pelo mundão e mora num lugar muito mais charmoso que Dublin e Barcelona juntas: Paris! E me avisou que o Guilherme veio passar o mês em Berlim. Disse para eu ligar para ele se quisesse reclamar do frio, mas esqueceu de passar o telefone. E eu, já de saída da cidade, achei que era tarde demais.

O Guilherme estava no mesmo país, na mesma cidade e na mesma estação de trem na mesma hora que eu porque esperava a namorada que chegava do Brasil, mas que se atrasou por causa da neve. E eu, que já tinha perdido o concerto mesmo, fiquei esperando com ele. Ficamos duas horas falando dos alemães estúpidos, da diferença de homens e mulheres aos 45, do frio, do nazismo, de salsicha, café, anne frank, minha família, família dele, cinema. Fui embora às 20h30, nem aí para o horário marcado com o cara e seus amigos do albergue para sair hoje à noite, às 20h. Aliás, o "cara" me perguntou se eu sabia o nome dele no fim do nosso passeio. Acredita qie eu não tinha perguntado???

É Boris.

Ele já me chamou de novo.

((Fotos: eu e Boris em East Side Gallery. Ele tirou um monte de fotos minhas, coitado...)

2 comentários:

  1. o menino que me fez um dia, dez anos atrás, me esconder no banheiro da minha própria casa porque meu coração tava batendo um pouco mais rápido que o normal.
    (posso usar pra letra de musica? hehe)
    saudades,
    beijos
    Carla

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  2. hahaahhaha, nao sabia disso, só vim ler o blog de novo agora e descobri que vc encontrou o Antonio! Que fantastico! Meeeega coincidência!
    Agora, não quero nem imaginar pq vc se escondeu no banheiro da sua casa... Por favor, nao vai me dizer que vc ja teve uma quedinha por ele?Ecaaaa!!!! hahahahah
    Beijos!
    Clarissa

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