Estava ontem mesmo em uma mesa de bar
comentando que uma das maiores crises da minha vida (são várias, claro) já não
é mais tão grande assim. Quando comecei o meu primeiro estágio, aos 19 anos, eu
olhava ao meu redor, via pessoas exercendo o mesmo cargo dentro da mesma
empresa fazia pelo menos uns cinco anos, e aquilo me desesperava. Eu achava medíocre,
não entendia como alguém conseguia manter-se equilibrado vivendo uma
rotina sem grandes novidades, convivendo com os mesmos chefes de sempre, com as
mesmas broncas de sempre, e falando mal das mesmas pessoas de sempre.
As minhas crises eram sérias e, aos 21,
já beiravam o desespero. Depois de três anos, eu percebi que tinha acontecido
comigo aquilo que eu mais desprezava na vida: batia cartão de manhã, carregava
uma bandeja na hora do almoço e esperava o fretado à noite. Foi quando pedi
demissão pela primeira vez, logo depois de sentir vontade real de me jogar pela
janela da empresa. Resolvi me isolar desse mundo onde eu tinha me metido e
viajar por dois anos, fazendo dinheiro sozinha.
Hoje, seis anos depois, sinto que
consegui lidar melhor com a velocidade das informações e com o tamanho da
janela da vida alheia. São tantas possibilidades que nos chegam via facebook, twitter
e blogs que, para mim, a minha vida sempre seguia um caminho menos
interessante do que o potencial que parecia ter. A sensação era a de que todo
mundo estava vivendo, menos eu. De tão grande, essa paranoia alcançou de
forma natural a minha vida afetiva, e me fazia achar que eu sempre poderia estar com
alguém mais interessante – o que o sociólogo polonês Zygmunt Bauman explica bem
em seu “Amor Líquido”.
Depois de dois anos com um ritmo bem
menos frenético e dependendo mais da força física para viver (na Europa, a bike
foi meio de transporte, que eu usava para chegar no restaurante onde trabalhava
como garçonete e às casas de gente que queria aprender português, quando dava
aulas). Eu deixei de lado o computador e a vida alheia por um bom tempo e
consegui ficar mais calma, focar mais em mim.
Por isso, quando assisti a All Work All
Play, da empresa de pesquisa Box 1824, entendi duas coisas: sim, somos o que queremos
ser e, não, não existe aquela plenitude, em que quem gosta de escalar passa a
vida escalando, ou quem gosta de pintar consegue viver disso tranquilamente, e atuar
é simples e fácil, basta querer. Não. Independentemente da geração em questão,
o nosso sistema capitalista exige de nós um protocolo: cartão de débito e
crédito na carteira, contas pagas no fim do mês e, finalmente, a fonte do
dinheiro que vai nos possibilitar viver e nos divertir, como sugere o vídeo. Assim
funciona para quem não é herdeiro nesse mundo: temos que trabalhar.
Nem preciso dizer que acho injusta a
pergunta que abre e fecha o tal vídeo: “O que você está fazendo agora? É algo
que realmente ama?” É como se quem faz parte dessa geração tivesse todas as
possibilidades do mundo, e se não faz o que quer, é porque não quer. Então
depois de ver que todo mundo está feliz da vida – pelo menos virtualmente –
todos os dias, ainda somos pressionados para alcançar a tal da felicidade
plena? Essa nós só vamos enxergar quando entendermos que a vida não é feita de plenitude,
mas de altos e baixos.
Antes de assistir ao vídeo, eu estava
lendo a entrevista que a atriz Mariana Lima deu nas páginas vermelhas da revista
TPM no ano passado, e a opinião dela sobre os altos e baixos em um casamento - muito cabível, pra mim - pode perfeitamente servir de metáfora para a
vida. Eis o trecho da entrevista que me interessa aqui:
Você continua apaixonada depois
de 12 anos de casamento?
Não. Mas tenho surtos de paixão. Tem uma hora que fica só "amorzinho", papaizinho, mamãezinha. Depois fica ruim, e cada um fica num canto. Aí fica bom de novo. Loucamente bom, sexualmente bom. E começa tudo de novo...
Não. Mas tenho surtos de paixão. Tem uma hora que fica só "amorzinho", papaizinho, mamãezinha. Depois fica ruim, e cada um fica num canto. Aí fica bom de novo. Loucamente bom, sexualmente bom. E começa tudo de novo...
Me parece que a vida obedece o mesmo ciclo. Ontem
à noite, no bar, comentei que estava conseguindo me livrar das crises de achar
que tenho que ser sempre melhor. Parece que finalmente consegui levar uma
vida mais aliviada, um dia de cada vez. E aí hoje eu assisto a um vídeo que vem
me dizer o contrário: “por que você não está lá fora, fazendo o que realmente
quer?” (E o que eu realmente quero? Quem é esse locutor pra me dizer implicitamente
que eu tenho que SABER o que eu quero?).
Essa empresa de pesquisa está divulgando
o que todos sabemos: hoje em dia há mais possibilidades e mais facilidades,
graças a deus não é mais um bom sinal passar 20 anos trabalhando no mesmo
lugar, e podemos muito bem ter nossos talentos reconhecidos independentemente
da idade – e trabalhar de igual pra igual, e muito harmoniosamente, com quem
tem mais experiência de vida, ou até abrir nosso próprio negócio cedo. Eu mesma
penso direto nisso. Me sinto livre, sim, e isso é legal. Agora, aumentar a
ilusão de que “você” leva uma vida de obrigações enquanto poderia sair por aí
saltando de paraquedas é um pouco desleal. E o cara que editou as imagens desse
vídeo? É feliz? Não acho justo fazer uma pergunta dessas.
Sabe aqueles desenhos das donas de casa felizes do pós guerra? (tipo esse aí de cima?) Aquilo era propaganda. Era propaganda da
vida perfeita, que deveria ser levada, uma promoção daquela conjuntura. Fazendo
esse paralelo, All Work All Play me parece mais do mesmo.
é exatamente isso! beijo
ResponderExcluirPois é querida, você tem razão. Apenas o lugar de onde vem a pressão mudou. Mas a pressão está aí. E as regras também. Só que em nova embalagem.... Bj.
ResponderExcluirMuito bom, Ju. Achei mesmo uma palhaçada quase todas as imagens ilustrativas sampleadas no vídeo terem saído de filmes de ficção
ResponderExcluirBom o texto. Em vez de escrever aqui, prefiro emitir minha opinião pessimista num bar. Vê sua agenda aí.
ResponderExcluirOlá,
ResponderExcluirFiquei também com uma sensação estranha quando vi o vídeo, como se tivesse assistido a 10 minutos de publicidade, só que não me disseram depois qual era o produto que eu tinha que comprar pra ser igual àquelas pessoas. Talvez porque seja algum produto ilegal.
Me lembrei depois do A Corrosão do Caráter, um livrinho do Richard Sennet que vale muito a pena:
http://books.google.com.br/books?id=qy0Znd07WKUC&lpg=PP1&hl=pt-BR&pg=PA7#v=onepage&q&f=false
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Prazer em conhecer (o blog).
é exatamente isso! falou tudo.
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